CONSIDERAÇÕES INTEMPORAIS
Uma característica das correcções políticas é a recusa do real, das coisas como são e das suas consequências. O optimismo antropológico é também uma negação obstinada e continuada do real, inspirada nas mundivisões do Século das Luzes.
A Literatura desse período é uma literatura de salão, para cortesãos, literatos e literatas; são utopias positivas, em que as sociedades pensadas racionalmente e construídas por processos de engenharia mental, são sempre superiores às sociedades existentes; como os “outros”, os antípodas civilizacionais – persas, chineses, índios, primitivos - são superiores aos europeus; e as suas religiões, superiores à nossa; e os seus costumes e instituições melhores, que os nossos. Isto em relação a povos e culturas que praticavam regularmente a antropofagia, a tortura, o massacre.
Esta tradição utópica desenvolvida naquilo a que George Sorel chamou as “ilusões do progresso” – teve um destino conhecido. Com Marx e Engels, e por obra de Lenine e Mao, veio a engendrar e a inspirar os socialismos reais. A sua base de legitimidade era o vício, o erro, das sociedades reais – capitalistas, tradicionais, hierárquicas, religiosas, nacionais. Por isso procuraram essa construção racional do melhor dos mundos. Acabaram produzindo sociedades policiais, desiguais, tirânicas, oligárquicas e os mais sanguinários regimes da História.
Esta foi a linha da democracia totalitária, convencional, francesa, robespierrista, que abriu caminho para a esquerda sistémica e vanguardista. Marx daria uma base filosófica materialista e uma teoria geral de História Económica, como História da Economia Política, para legitimar e sofisticar o modelo. Os “desastres” do capitalismo trariam o resto. A História do século XX ilustrou o destino desta construção.
A outra linha deste optimismo tem a ver com o individualismo anglo-saxónico, entre Hobbes, Locke e Stuart Mill. E com a Revolução Inglesa que resultou num empate a que os Ingleses conseguiram dar uma forma dinâmica e de síntese com as suas instituições do século XVIII que permitiram essa mistura única de comércio e império, de filantropia e poder naval, de indústria e poder, de tecnologia e religião. E a América, filha dilecta da Revolução Atlântica, manteve esta simbiose e estas características, dentro de uma dialéctica liberais-conservadores que chegou até nós.
Hoje o modelo convencional marxista morreu. Com a contra-revolução capitalista na RPC e o fim da União Soviética, ficou reduzido às microtiranias cubana e norte-coreana. Restos patéticos. A China e a Rússia são hoje regimes nacionais autoritários: o chinês, de capitalismo de Estado, em que a política comanda a economia, que procura o fortalecimento da nação; a Rússia, de capitalismo vigiado em que o poder político (Putin) mostrou aos poderes económicos que podem ganhar dinheiro, desde que não se metam no seu caminho.
Em certo sentido, embora a linguagem mantenha essas “ilusões do progresso” – e hoje uns custos visíveis e ocultos da sua ficção, fomos aprendendo a viver com elas e a sobreviver-lhes. Mas às vezes, mesmo só na forma, podia haver mais verdade.
P.S. Despeço-me hoje dos leitores do Expresso. Foi interessante, para mim, esta coluna mensal. Espero que também tenha sido para vós.
Jaime Nogueira Pinto
Expresso, 15 de Dezembro de 2007
A Literatura desse período é uma literatura de salão, para cortesãos, literatos e literatas; são utopias positivas, em que as sociedades pensadas racionalmente e construídas por processos de engenharia mental, são sempre superiores às sociedades existentes; como os “outros”, os antípodas civilizacionais – persas, chineses, índios, primitivos - são superiores aos europeus; e as suas religiões, superiores à nossa; e os seus costumes e instituições melhores, que os nossos. Isto em relação a povos e culturas que praticavam regularmente a antropofagia, a tortura, o massacre.
Esta tradição utópica desenvolvida naquilo a que George Sorel chamou as “ilusões do progresso” – teve um destino conhecido. Com Marx e Engels, e por obra de Lenine e Mao, veio a engendrar e a inspirar os socialismos reais. A sua base de legitimidade era o vício, o erro, das sociedades reais – capitalistas, tradicionais, hierárquicas, religiosas, nacionais. Por isso procuraram essa construção racional do melhor dos mundos. Acabaram produzindo sociedades policiais, desiguais, tirânicas, oligárquicas e os mais sanguinários regimes da História.
Esta foi a linha da democracia totalitária, convencional, francesa, robespierrista, que abriu caminho para a esquerda sistémica e vanguardista. Marx daria uma base filosófica materialista e uma teoria geral de História Económica, como História da Economia Política, para legitimar e sofisticar o modelo. Os “desastres” do capitalismo trariam o resto. A História do século XX ilustrou o destino desta construção.
A outra linha deste optimismo tem a ver com o individualismo anglo-saxónico, entre Hobbes, Locke e Stuart Mill. E com a Revolução Inglesa que resultou num empate a que os Ingleses conseguiram dar uma forma dinâmica e de síntese com as suas instituições do século XVIII que permitiram essa mistura única de comércio e império, de filantropia e poder naval, de indústria e poder, de tecnologia e religião. E a América, filha dilecta da Revolução Atlântica, manteve esta simbiose e estas características, dentro de uma dialéctica liberais-conservadores que chegou até nós.
Hoje o modelo convencional marxista morreu. Com a contra-revolução capitalista na RPC e o fim da União Soviética, ficou reduzido às microtiranias cubana e norte-coreana. Restos patéticos. A China e a Rússia são hoje regimes nacionais autoritários: o chinês, de capitalismo de Estado, em que a política comanda a economia, que procura o fortalecimento da nação; a Rússia, de capitalismo vigiado em que o poder político (Putin) mostrou aos poderes económicos que podem ganhar dinheiro, desde que não se metam no seu caminho.
Em certo sentido, embora a linguagem mantenha essas “ilusões do progresso” – e hoje uns custos visíveis e ocultos da sua ficção, fomos aprendendo a viver com elas e a sobreviver-lhes. Mas às vezes, mesmo só na forma, podia haver mais verdade.
P.S. Despeço-me hoje dos leitores do Expresso. Foi interessante, para mim, esta coluna mensal. Espero que também tenha sido para vós.
Jaime Nogueira Pinto
Expresso, 15 de Dezembro de 2007
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