segunda-feira, outubro 23, 2006

Riefenstahl ou a arte sob regimes totalitários

O percurso da realizadora germânica, Leni Riefenstahl ilustra um modelo de vida artística em condições de ditadura monopartidária. Os soviéticos como Sergei Eisenstein, nascido em Riga em 1898, exemplificam o mesmo problema no espaço soviético. Mas também outros realizadores como Andrei Tarkovsky (1932-1986), os escritores mais apreciados, os músicos e os artistas em geral. Num sistema totalitário ou concentracionário quem quer fazer arte só tem duas vias: o exílio (se puder) ou a afirmação da sua estética dentro dos quadros aprovados pelo partido único e pelo seu sentido de beleza e arte, com os desvios que a censura permita. Na Alemanha entre 1933 e 1945 não foi só a cineasta que trabalhou no sistema. Arno Brecker fez escultura, Albert Speer fez arquitectura, Von Karajan fez música e o Alto Comando fez a guerra, que muitos autores consideram a maior arte. Tudo indica que a vontade de deixar um traço próprio num tempo já efectivamente marcado pela ideologia e o partido, supera de longe a ideia de preços a pagar no futuro. Leni, nascida em 1902, inclinou-se cedo para a pintura e dança e só um tropeço a fez encarar a via do cinema. A sua estética, assente na harmonia das formas, na admiração da grandeza e da força, na idolatria pela montanha, não desagradava ao Sistema. A Luz Azul, de 1932, mostra a continuidade dos filmes que celebram a montanha e a que assimilam uma pureza original, um idealismo não tocado pela mão humana. Seguiram-se os documentários encomendados pelos serviços do Estado: Sieg des Glaubens, 1933; Tag der Freiheit, 1935; O Triunfo da Vontade, 1936; Os Deuses do Estádio, 1938; Tiefland,1945. O documentário sobre o encontro do Partido, o conhecido documentário Triunfo da Vontade, revelou-se o mais polémico e talvez o mais sistémico filme do Partido Nacional Socialista, onde fora empregadas técnicas de filmagem notáveis e inventivas. E, em 45, a realizadora era capturada pelos franceses e colocada em campos de concentração. As acusações são sempre as mesmas: a ritual rotina dos julgamentos dos vencedores. Dava-se com Hitler, falava com Goebbels, circulava na elite política do Sistema. É certo, mas não fazia os filmes de propaganda que os cineastas de Goebbels realizaram com grande êxito para consumo interno. Leni era admirada e protegida enquanto grande artista. Os grandes artistas soviéticos circulavam junto da elite soviética enquanto Estaline procedia às purgas e matanças dos seus conterrâneos. Nunca ninguém quis saber disso. Mas, de Leni, ocuparam-se, até quase a anular. Promoveram Karajan, silenciaram Arno Brecker, deram um tempo de fama a Speer e aos físicos que colaboraram com o regime ofereceram todas as garantias e simpatias nos USA e na URSS para aquilo que queriam ver feito: uma bomba atómica. Falava-se então da corrida aos físicos e cientistas nazis que se encontravam na investigação de ponta, dentro dos segredos da água pesada nas estações da Noruega. Dois pesos: duas medidas. Repartidos pela URSS e pelos USA desenvolveram as ciências atómicas e deram a esses vitoriosos seres as armas que eles nem sequer eram capazes de sonhar. Vejamos com as palavras da própria Riefensthal, com ela encarou esse isolamento e condenação: «A minha vida tomou-se um tecido de rumores e acusações, pelo meio das quais tive que traçar um caminho. Todas se revelaram falsas, mas por vinte anos privaram-me de criar. Tentei escrever, mas o que eu queria era fazer filmes. Tentei fazer filmes, mas não pude. Tudo ficou reduzido a nada. Só restou a minha vocação. Sim. E nesse momento estava morta». Hoje celebram-na. Revêem o Triunfo da Vontade, revêem os Deuses do Estádio (muito mais fraco), folheiam os seus álbuns sobre África e talvez um dia possam perceber que foi um terrível erro assimilar Leni a Hitler, como seria outra imbecilidade assimilar Tarkovski ou Eisenstein a Estaline. Num caso ou noutro trata-se de vias estéticas próprias desenvolvidas em condições politicas ditatoriais. É urgente compreender estas coisas que vêm de longe e ficar de lado quando os fanático extremam as suas posições. É bom, sem país, voltar a ser grego, mas melhor voltar a ser um português à solta.

1 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Sobre os físicos, é notável a figura de Heisenberg.

terça-feira, outubro 24, 2006 9:18:00 da tarde  

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