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"Imagine-se o momento solene da chegada de sua majestade a um concelho rural. A municipalidade, burlesca nos seus trajes de gala, como um coro de ópera cómica, adianta-se com passos pré-históricos. O presidente da câmara, pedindo vénia, começa naturalmente por dizer:
«Senhor! Cabe a esta câmara municipal a subida honra de vir depositar nos degraus do trono de vossa majestade como pelas façanhas de vossa majestade mesmo, as chaves desta heróica vila...».
Quando os povos boquiabertos imaginam que o presidente da câmara endoideceu de repente, ao ouvirem-no falar no degrau do trono quando o rei está no meio do chão, e nas chaves da vila quando a vila não tem chaves nem portas nem muros, faria um saudável efeito, que, em vez de sua majestade se mostrar tão mentecapto como o presidente da câmara respondendo-lhe pelos termos postos: «Recebo as chaves desta heróica vila, cujas proezas não menos que as dos meus antepassados, etc.» - sua majestade dissesse simples e abruptamente:
«Meus senhores! Sei que vos deu o pulgão das laranjeiras. O vosso agrónomo do distrito assim o comunicou ao meu ministro das obras públicas, mandando-lhe um ramo de laranjeira com o pulgão respectivo. O meu ministro das obras públicas, ignorando o remédio que lhe competia dar a este mal, remeteu o pulgão ao meu ministro do reino; este encarregou a Academia das Ciências de estudar essa questão por via dos seus ontomologistas e dos seus químicos. Aqui vos trago neste frasco o remédio para o pulgão. Ide tratar da vossa vida e das vossas laranjeiras. Adeus, meus senhores.»
Este novo sistema de discursar teria grandes vantagens. Em primeiro lugar satisfaria uma necessidade local, a extinção do pulgão. Depois ensinaria de um modo prático, exemplificativo e claro, uma cousa que os povos em geral ignoram, isto é: para que serve um agrónomo, para que serve um ministério das obras públicas, para que serve uma academia. E os povos começariam talvez a amar e a respeitar essas instituições consagradas à sua felicidade."
in As Farpas
Ramalho Ortigão
(1836-1915)
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«Senhor! Cabe a esta câmara municipal a subida honra de vir depositar nos degraus do trono de vossa majestade como pelas façanhas de vossa majestade mesmo, as chaves desta heróica vila...».
Quando os povos boquiabertos imaginam que o presidente da câmara endoideceu de repente, ao ouvirem-no falar no degrau do trono quando o rei está no meio do chão, e nas chaves da vila quando a vila não tem chaves nem portas nem muros, faria um saudável efeito, que, em vez de sua majestade se mostrar tão mentecapto como o presidente da câmara respondendo-lhe pelos termos postos: «Recebo as chaves desta heróica vila, cujas proezas não menos que as dos meus antepassados, etc.» - sua majestade dissesse simples e abruptamente:
«Meus senhores! Sei que vos deu o pulgão das laranjeiras. O vosso agrónomo do distrito assim o comunicou ao meu ministro das obras públicas, mandando-lhe um ramo de laranjeira com o pulgão respectivo. O meu ministro das obras públicas, ignorando o remédio que lhe competia dar a este mal, remeteu o pulgão ao meu ministro do reino; este encarregou a Academia das Ciências de estudar essa questão por via dos seus ontomologistas e dos seus químicos. Aqui vos trago neste frasco o remédio para o pulgão. Ide tratar da vossa vida e das vossas laranjeiras. Adeus, meus senhores.»
Este novo sistema de discursar teria grandes vantagens. Em primeiro lugar satisfaria uma necessidade local, a extinção do pulgão. Depois ensinaria de um modo prático, exemplificativo e claro, uma cousa que os povos em geral ignoram, isto é: para que serve um agrónomo, para que serve um ministério das obras públicas, para que serve uma academia. E os povos começariam talvez a amar e a respeitar essas instituições consagradas à sua felicidade."
in As Farpas
Ramalho Ortigão
(1836-1915)
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