sexta-feira, maio 18, 2007

A LIÇÃO DA CHECOSLOVÁQUIA (LEMBRANÇA DO CONDE DE FOXÁ)

Resulta que Agustín de Foxá, reparo agora, morreu no mesmo ano (1959) que o Raymond Chandler aqui evocado há pouco tempo. Esplêndido escritor, príncipe das letras espanholas modernas, tinha nascido em 1906. Viveu quase exactamente a primeira metade do século passado. Onde é que tínhamos a cabeça? Deixámos passar em branco o centenário do seu nascimento. Foxá, autor da letra do Cara al Sol (juvenil hino da Falange), diplomata, poeta, romancista de um único romance - o inolvidável Madrid de Corte a Checa - jornalista, dramaturgo, homem de sociedade, falso personagem verdadeiro do Kapput de Curzio Malaparte (outro genial aventureiro literário) foi uma figura novelesca que ainda habitava Madrid e cujas anedotas ouvi muitas vezes contar nos anos em que lá vivi pela primeira vez. Faz juz a uma evocação mais completa, que talvez consigamos incluir num dos nossos próximos números. Para já, deixamos aqui a tradução de algumas passagens de um texto não publicado na altura em que o escreveu mas incluído nas Obras Completas que a Prensa Española editou nos anos 60 e 70. Tinha por título "Checoslovaquia, Nación Artificial" e, além dos seus méritos literários, tem alguma pertinência quando se discutem outras "construções" mais próximas de nós e bem nossas conhecidas.

"Já se disse que a Checoslováquia era 'os estados pontifícios da maçonaria'. Era uma república laica e desportista. O sonho dourado de Giner, de Américo Castro, de Fernando de los Ríos, de todo um mundo de políticos de fraque, barbudos e refinados, que entre os sorrisos dos banquetes abriam à troika incendiária dos soviets o caminho da Europa. (...)
A Checoslovaquia tem o nome híbrido das coisas falsas; nasceu da reflexão, dos tratados, friamente. Tudo nela é fictício, académico. O seu idioma oficial devia ser o esperanto. Na realidade, só existe nos arquivos da Sociedade das Nações. O seu passado, a sua história, cabem numa pasta.
Benes, em 1918, corre a Europa em carruagem-cama: intriga, oferece, adula, dá recepções. Mas Carlos Magno não fundou o seu império convidando diplomatas para jantar.
Na História, como na Natureza, não existe a geração espontânea. Os homens e as nações, para nascer, precisam de partos dolorosos. (...)
O castelhano não se fala na península por um capricho oficial dos reis ou dos políticos de Madrid. Fala-se castelhano porque nele se escreveu 'o Quixote' e floresceram dois Siglos de Oro. E fala-se na América porque falavam castelhano os vencedores de Otumba e os conquistadores do Cuzco. (...)
Está demonstrado que os professores, os juristas, Genebra e as lojas são incapazes de criar nações. A verdade é que nos dias de hoje, como há muitos milhares de anos, os povos são fundados pelos santos, pelos guerreiros, pelos artistas, pelos séculos e pelos mortos."