quarta-feira, março 19, 2008

O IMPÉRIO COMO NAÇÃO

Peço desculpa, antes de mais nada, pelo abuso da primeira pessoa - um escrúpulo anacrónico, reparo neste mesmo momento, pouco ajustado à própria natureza dos blogs e à sua ética confessional. A minha participação nas Conferências Lusófonas organizadas pela Fundação Luso Africana para a Cultura e que se iniciaram a semana passada em Cabo Verde obrigou-me a pensar em questões que há muito não me preocupava em sistematizar. O tema geral desta primeira ronda de conferências que arrancou agora é "Fim do Império, princípio das Nações". O mote que me cabia era "Do Minho a Timor". O tema que acabei por escolher neste enquadramento foi "O Império como Nação" - ou seja a tese de que no caso português o Império desde sempre foi entendido como a peculiar confomação de uma peculiar "nação", um entendimento que foi ofuscado durante mais de um século pelo progressismo "colonial" que aplicadamente, como em tantos outros casos, copiámos do "estrangeiro", da mística "republicana" francesa em particular. De caminho, falou-se da recente reabilitação do Império sob as suas várias formas como modalidade estatal não desprovida de virtudes, uma reflexão que se encontra até certo ponto sintetizada no trabalho de Deepak Lal intitulado justamente In Defense of Empires (um texto publicado em 2002 e cujo tema foi desenvolvido num livro do mesmo autor a que ele chamou In Praise of Empires: Order and Globalization). Foi uma excelente ocasião para lembrar o "anti-colonialismo" integracionista de Fernando Pacheco de Amorim, cuja obra tanto marcou uma parte da geração que chegou ao fim da adolescência nos anos em que começavam as guerras do Ultramar: de Três Caminhos da Política Ultramarina (Coimbra, 1962) até Na Hora da Verdade (Coimbra, 1971). E para citar, em abono da tese, um texto do século XVII que reza assim: "...a Índia e mais terras ultramarinas de cujo governo se trata neste Conselho, não são distintas nem separadas deste Reino, nem ainda lhe pertencem por modo de união, mas são membros do mesmo reino, como o é o Algarve e qualquer das províncias do Alentejo e Entre Douro e Minho, porque se governam com as mesmas leis e magistrados e gozam dos mesmos privilégios que os do mesmo Reino e assim tão português é o que nasce e vive em Goa ou no Brasil ou em Angola como o que vive e nasce em Lisboa...". O "Portugal do Minho a Timor" foi um lema propagandístico do Estado Novo mas não uma sua invenção. O "fim do Império", no caso português, foi de certa maneira o fim da Nação. Essa Nação desapareceu para não mais voltar. Não é inútil pensar que dos Estados-Nações em que se desfez, incluindo o Portugal que conserva esse nome, possa nascer um novo "Império" - um "Império consensual", como aquele de que fala o diplomata e pensador inglês Robert Cooper a propósito da União Europeia. Mas isso é outra história, como se costuma dizer que dizia Kipling.

1 Comentários:

Blogger Marcos Pinho de Escobar disse...

Excelente ponto, Caro Sr. Freitas da Costa. É sempre bom recordar que o conceito de Nação Euro-Ultramarina não foi invencionice salazariana "para inglês ver" em épocas de anti-colonialismo tão nefasto como hipócrita. Era a essência do ser português, bem compreendida por Reis criteriosos.
Respeitosos cumprimentos.

quarta-feira, março 19, 2008 9:30:00 da tarde  

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