terça-feira, novembro 14, 2006

2. Os "bons": o socialismo de rosto humano

Georges Sorel e Karl Kautsky










O socialismo reformista "democrático" distinguiu-se, à partida, do socialismo revolucionário marxista, pelos métodos. Mantendo o objectivo ideal de uma "sociedade sem classes" renunciava à violência para lá chegar.
Primeiro fê-lo por razões tácticas e de conveniência: perante a evolução nos grandes Estados constitucionais e industriais europeus dos finais do século XIX - Grã-Bretanha, Alemanha, França - e depois do fracasso da Comuna de Paris (1871), fazia mais sentido, para os líderes socialistas, conquistar o poder sem violência, até porque o Estado "burguês", com os seus exércitos conservadores - o Corpo de Oficiais e os rurais enquadrados como soldados - podia levar a melhor.
As eleições e a luta contra o sistema dentro do sistema pareciam um caminho mais humano, mais seguro, mas pacífico, de chegar ao poder, que a violência, em que, aliás, o Estado tinha vantagens.

Daqui, por táctica e depois por princípio, o aparecimento de muitos "socialismos" reformistas: democráticos, catedráticos, nacionais até, como o de Ferdinand de Lassale; ou a variente "de direita" do sindicalismo revolucionário, com Georges Sorel, um "intelectual" activista, onde encontro aspectos biográficos, intelectuais e de "carácter" que me lembram o nosso Joaquim Pedro Oliveira Martins. (Mas isso são outros contos, embora interessantes...).

Com a Grande Guerra, estes partidos socialistas - depois do assassinato de Jaurés - votaram os créditos de guerra nos parlamentos: o nacionalismo pesava mais que o internacionalismo, para fúria e conclusão ("não vos tinha dito?") de Lenine. E na Rússia, os bolcheviques, depois de liquidados os "brancos", liquidaram impiedosamente todos os socialistas não comunistas - anarquistas, mencheviques, sociais-democratas. Não ficou um para amostra na Rússia, vivo e em liberdade.
Percebendo esta problemática, os socialistas alemães, Friedrich Ebert (o da "Fundação") e Nöske, aliaram-se à Reichswehr e aos Corpos Francos - que eram, como já referi, ("Nostalgias 5") o braço armado da Reichswehr no princípio de Weimar, e arrumaram os spartakistas, incluindo Rosa Luxemburgo e Karl Liebneckt, mortos de modo cruel e expedito pelo Conde Arco Valley e alguns subalternos em Berlim, em 1919. (Para pormenores deste período, há a clássica Histoire de l'Armée Allemande, de Jacques Benoit-Méchin, numa acessível edição dos "Bouquins" da Robert Laffont. Mais os textos de Dominique Venner e o clássico Os Reprovados de Ernst von Salomon).

Estes acontecimentos são muito importantes para perceber o "fosso histórico" entre os vários "socialismos", quando chegou a hora da verdade. Seguiu-se na Alemanha, a História de Weimar, a tese dos comunistas da equivalência "moral" e estratégica dos "socialistas" aos "nacionais-socialistas", e a vitória de Hitler, que tendo o seu equivalente aos "reformistas" (a direita conservadora e o Zentrum) soube aproveitar o nacionalismo alemão (e dos alemães) humilhado em Versailles, a crise económico-social e o anti-comunismo das classes médias e tradicionais para chegar ao poder.
Foi a partir desta vitória de Hitler (mas a de Mussolini em Itália em 1922 já mostrara como as coisas podiam acontecer), que Estaline e o seu factotum Dimitrov elaboraram a nova estratégia da "Frente Popular", que levou à vitória eleitoral em Fevereiro de 1936 em Espanha e pouco depois na França. A primeira uma vitória pírrica da Frente das esquerdas, que levou à Guerra Civil e à vitória da coligação de direitas, chefiada por Franco. E reforçou o Estado Novo em Portugal. A Frente Popular francesa de 1936 contribuiu para o desarmamento da França e assim para a derrota de 1940.

Nos pós-guerra, estas divisões reacenderam-se perante o modo como os comunistas, com o apoio da URSS, tomaram o poder na Europa Oriental, dando cabo fisicamente de toda a oposição, incluindo os socialistas. Na França, Guy Mollet diria o célebre "Os comunistas não estão à direita nem à esquerda, estão a Leste"; os trabalhistas ingleses alinharam com Truman na "contenção" e a Guerra Fria e a NATO separaram as águas. Mais separadas, em 1948, com Praga; em 1956 com a Hungria; em 1968 com Praga; em cada uma destas "crises" houve "dissidentes" da devoção comunista, de Mário Soares e António José Saraiva a Jean-Paul Sartre.
Hoje, finda a União Soviética, liberalizada economicamente a China, com o "campo" socialista entregue às "microtiranias" norte-coreana e cubana, com parte dos Estados socialistas de África e da América hispânica, transformados
poderes pessoais embaraçosos para os seu irmãos dos "partidos operários", este "socialismo de rosto humano" e medidas práticas tem de conviver com outras questões:
A primeira tem a ver com a economia-mundo, capitalista, reforçada pela entrada da China, da Índia e da própria Rússia, que tiraram qualquer possibilidade - a não ser o regresso ao proteccionismo - de manter de pé, mesmo nas áreas ricas, o Estado Social concebido pela social-democracia no pós-2ª Guerra, e que tivera as suas raízes sociais na Alemanha de Bismarck e nos "corporativismos" fascistas e autoritários.
A segunda é o modo de tratar, ideologicamente, o que em termos tradicionais entra na retórica acusatória dos comunistas aos socialistas reformistas.

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