A «inocência» ou «culpabilidade» pressupõe uma suspeita prévia de crime ou pecado, coisa que não se verifica, a não ser para os cristãos que acreditam na doutrina -- efectivamente essencial na dogmática da sua religião -- do pecado original.
Mas para um espírito racional, no tempo pós-cristão em que nos encontramos, um zigoto ou um feto sem cérebro não são mais «inocentes» ou «culpados» que um espermatozóide ou um óvulo.
Para condenar um aborto tardio ou um infanticídio -- bem como para hierarquizar essas condenações -- não uso de modo algum o argumento da «inocência» que me parece algo disparatado (e até perigoso se pensarmos nas «culpabilidades colectivas» que as ideologias políticas totalitárias lançam sobre determinadas classes de adultos «não-inocentes»), mas sim os argumentos decisivos da senciência (muito provavelmente presente no feto em estado avançado de desenvolvimento) e da expectativa de futuro (possível, ao que se suspeita, nas crianças a partir do primeiro mês de vida). É baseado nessa premissa que, por exemplo, Peter Singer, longe de condenar a simples terminação precoce de uma gravidez, identifica o aborto muito tardio com o infanticídio até por volta dos 30 dias.
Mais algumas considerações (e ligações que podem interessar) aqui.
A propósito de Singer e de alguns mal-entendidos recentes aqui ficam algumas referências on-line. Note a forma como o próprio crítico passa também ele -- como possivelmente terá passado o objecto da sua crítica (que desconheço) -- completamente ao lado da problemática mais profunda de Singer, que coloca a ênfase exactamente sobre a valorização do sentir e do devir esperado e não num qualquer futuro.
2) Abortion and Infanticide: A Critique of Peter Singer's Views. Debate with Don Marquis . Intervenção de Singer a partir do minuto 45:00. Recomendo especialmente a sua "reductio against the view that we have an obligation to allow individuals, entities, with futures of value to live those futures of value", como ele próprio a enuncia no minuto 64:00.
E para rir um bocado com o confronto entre a moral cristã -- tipicamente redutora -- e o encadeamento abstracto de posições éticas -- tipicamente judeu na forma, mas perfeitamente racional e anti-dogmático no conteúdo -- de Peter Singer tem aqui um belo e divertido exemplo:
2 Comentários:
Em minha opinião a falácia consiste no seguinte:
A «inocência» ou «culpabilidade» pressupõe uma suspeita prévia de crime ou pecado, coisa que não se verifica, a não ser para os cristãos que acreditam na doutrina -- efectivamente essencial na dogmática da sua religião -- do pecado original.
Mas para um espírito racional, no tempo pós-cristão em que nos encontramos, um zigoto ou um feto sem cérebro não são mais «inocentes» ou «culpados» que um espermatozóide ou um óvulo.
Para condenar um aborto tardio ou um infanticídio -- bem como para hierarquizar essas condenações -- não uso de modo algum o argumento da «inocência» que me parece algo disparatado (e até perigoso se pensarmos nas «culpabilidades colectivas» que as ideologias políticas totalitárias lançam sobre determinadas classes de adultos «não-inocentes»), mas sim os argumentos decisivos da senciência (muito provavelmente presente no feto em estado avançado de desenvolvimento) e da expectativa de futuro (possível, ao que se suspeita, nas crianças a partir do primeiro mês de vida). É baseado nessa premissa que, por exemplo, Peter Singer, longe de condenar a simples terminação precoce de uma gravidez, identifica o aborto muito tardio com o infanticídio até por volta dos 30 dias.
Mais algumas considerações (e ligações que podem interessar) aqui.
A propósito de Singer e de alguns mal-entendidos recentes aqui ficam algumas referências on-line. Note a forma como o próprio crítico passa também ele -- como possivelmente terá passado o objecto da sua crítica (que desconheço) -- completamente ao lado da problemática mais profunda de Singer, que coloca a ênfase exactamente sobre a valorização do sentir e do devir esperado e não num qualquer futuro.
1) Peter Singer resource site.
2) Abortion and Infanticide: A Critique of Peter Singer's Views. Debate with Don Marquis . Intervenção de Singer a partir do minuto 45:00. Recomendo especialmente a sua "reductio against the view that we have an obligation to allow individuals, entities, with futures of value to live those futures of value", como ele próprio a enuncia no minuto 64:00.
E para rir um bocado com o confronto entre a moral cristã -- tipicamente redutora -- e o encadeamento abstracto de posições éticas -- tipicamente judeu na forma, mas perfeitamente racional e anti-dogmático no conteúdo -- de Peter Singer tem aqui um belo e divertido exemplo:
3) Peter Singer segundo a revista cristã World.
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