Ainda o 11 de Setembro
No 11 de Setembro de 2000 eu estava em Londres - tinha chegado na véspera, a 10, de Lisboa. De manhã encontrei-me em Knightsbridge com o Gen. João de Matos. E depois segui para Heathrow par o voo BA para Washington DC, onde tinha, no dia 12 um encontro com Walter Kansteiner, Secretário de Estado Adjunto para os Assuntos Africanos.
Fiz o check-in e fui agradavelmente surpreendido por um upgrading espontâneo de Business para First Class. Estava a dar uma volta pelas lojas para matar o tempo e um empregado bem educado, diz-me ao ver o meu ticket: "Apparently, there is some trouble in New York, Sir!"
"What kind of trouble?"
"Terrorist attack, or alike. But not a big deal, I guess".
He guessed wrong!
Entrei no avião, olhei a minha aerodinâmica cadeira-cama da First; eram 2.40 pm, mais ou menos. Toca o móvel que ainda não desligara, e a minha secretária de Lisboa, fala-me, em pânico, diz-me para não embarcar pois os Estados Unidos estão sob um grande ataque!
Logo lhe digo que, se fôr tão grave, nem eu nem ninguém embarcará para lá. E desliguei.
Depois chequei com a família, a Zézinha estava no Panamá, numa reunião da Secib, os filhos em Lisboa. Fui tendo pormenores pois todos estavam já colados à televisão.
Toda a gente, por esta altura, no avião, falava pelos celulares, e recebia chamadas. Após alguns minutos, mandaram-nos sair e recolher a bagagem. Com sentido prático liguei para a agência de viagens, marcando um bilhete para Lisboa, no primeiro avião. E assim, recolhi a bagagem, fiz o check-in para Lisboa, num princípio de caos, e regressei, filosofando no voo, com o Fernando Ulrich, que estava a voltar de Londres, sobre o futuro do mundo...
Cheguei a casa e vi na TV aquelas imagens, depois vistas centenas de vezes, de uma espécie de miragem tirada da capa de um romance de science-fiction da idade dourada: céu azul, como os céus imaginados do Asimov na Fundação ou do Bradbury; Nova Iorque como um quadro do Edward Hopper, uma manhã de Verão tardio, e um avião, como se fosse um modelo de brincar, e embater em Babel.
Acordei a 12, a trautear, inconscientemente, o God Bless America e pensei que tínhamos entrado noutro capítulo; como outros pensaram em Outubro de 17, ou Agosto de 45 ou no Verão da chegada à Lua; e como em Portugal, mais modestamente, uns viram o dia em que Salazar saiu do governo, o 25 de Abril e o 27 de Julho de 74, quando o Spínola oficializou o fim do Império Português.
Pensando a cinco anos:
A primeira reacção - a campanha do Afeganistão - foi certa, no tempo, lugar, objectivo, na estratégia e na táctica; em atacar o inimigo, no seu centro, no não-Estado Talibã. Fazê-lo por todos os meios, com bombardeiros e heli-canhões, "botas no chão" de forças especiais, agentes da CIA com malas de dólares para os war lords. Fazê-lo bem e depressa, com o apoio de todo o mundo, de Londres e Paris ao Cairo e a Moscovo.
Depois a efabulação ideológica e os interesses de Estados que não o Estado norte-americana entram em jogo e foi a marcha para a invasão do Iraque - a guerra errada no tempo errado. Esclareça-se que o meu qualificativo de "guerra errada" não tem nada a ver com a "ilegitimidade" internacionalista - aprovação da ONU, dos espíritos bem-pensantes ou p.c. Tem sim a ver com o seguinte:
Já antes, mas mais depois do 11-S, o grande perigo para o mundo civilizado vem do macroterrorismo fanático, de base não estatal, isto é fragmentado, errático, ideológico. São preferíveis Estados, mesmo Rogue States, a não Estados - ou áreas caóticas como a Somália, ou o Iraque "libertado". Sadam Hussein era um tipo pouco recomendável, os filhos uns assassinos paranóicos, mas se fôssemos a aplicar essa regra para atacar governos, desconfio que talvez metade dos regimes no poder fora da OCDE teriam que ser invadidos em nome dos direitos do homem ou da anti-corrupção.
Além disso, a máquina de guerra americana, magnífica para a campanha do Iraque, não está preparada para ser uma força de ocupação e polícia. E quando, com o zelo depurador, o Sr. Bremer, licenciou as Forças Armadas e de Segurança iraquianas, abriu um buraco cósmico, que além de dezenas de milhar de iraquianos assassinados à faca, tiro e bomba entre si, já quase matou mais de 2000 soldados americanos e aliados.
E as alternativas não são famosas: ou o Iraque se divide em três - os curdos no Norte e uma partilha territorial complicadíssima entre os shiitas e sunitas no resto do país. Ou para ficar unido irá progressivamente ter que aplicar o estado de excepção, através dos militares e forças policiais, acabando num regime autoritário, pré-ditatorial. De que os ocidentais serão aliados e terão que apoiar, por muito tempo, pelo menos em termos de forças aéreas e forças convencionais pesadas. E no fim - Sadam Hussein.
Sadam Hussein, aliás, estava tranquilo e não esperava pela guerra pois comungava daquela crença básica de que os interesses dos Estados Unidos, que o tinham ajudado como paladino anti-fundamentalista, passavam por mantê-lo no poder. E que ele não tinha ligações nem com a Al-Qaeda, nem com armas de destruição maciça. Ele sabia e pensava, que os americanos sabiam, e que só por estupidez o atacariam.
Hitler tinha feito a mesma análise com os ingleses! É sempre perigoso achar que conhecemos "objectivamente" os interesses de outros países melhor que eles.
Fiz o check-in e fui agradavelmente surpreendido por um upgrading espontâneo de Business para First Class. Estava a dar uma volta pelas lojas para matar o tempo e um empregado bem educado, diz-me ao ver o meu ticket: "Apparently, there is some trouble in New York, Sir!"
"What kind of trouble?"
"Terrorist attack, or alike. But not a big deal, I guess".
He guessed wrong!
Entrei no avião, olhei a minha aerodinâmica cadeira-cama da First; eram 2.40 pm, mais ou menos. Toca o móvel que ainda não desligara, e a minha secretária de Lisboa, fala-me, em pânico, diz-me para não embarcar pois os Estados Unidos estão sob um grande ataque!
Logo lhe digo que, se fôr tão grave, nem eu nem ninguém embarcará para lá. E desliguei.
Depois chequei com a família, a Zézinha estava no Panamá, numa reunião da Secib, os filhos em Lisboa. Fui tendo pormenores pois todos estavam já colados à televisão.
Toda a gente, por esta altura, no avião, falava pelos celulares, e recebia chamadas. Após alguns minutos, mandaram-nos sair e recolher a bagagem. Com sentido prático liguei para a agência de viagens, marcando um bilhete para Lisboa, no primeiro avião. E assim, recolhi a bagagem, fiz o check-in para Lisboa, num princípio de caos, e regressei, filosofando no voo, com o Fernando Ulrich, que estava a voltar de Londres, sobre o futuro do mundo...
Cheguei a casa e vi na TV aquelas imagens, depois vistas centenas de vezes, de uma espécie de miragem tirada da capa de um romance de science-fiction da idade dourada: céu azul, como os céus imaginados do Asimov na Fundação ou do Bradbury; Nova Iorque como um quadro do Edward Hopper, uma manhã de Verão tardio, e um avião, como se fosse um modelo de brincar, e embater em Babel.
Acordei a 12, a trautear, inconscientemente, o God Bless America e pensei que tínhamos entrado noutro capítulo; como outros pensaram em Outubro de 17, ou Agosto de 45 ou no Verão da chegada à Lua; e como em Portugal, mais modestamente, uns viram o dia em que Salazar saiu do governo, o 25 de Abril e o 27 de Julho de 74, quando o Spínola oficializou o fim do Império Português.
Pensando a cinco anos:
A primeira reacção - a campanha do Afeganistão - foi certa, no tempo, lugar, objectivo, na estratégia e na táctica; em atacar o inimigo, no seu centro, no não-Estado Talibã. Fazê-lo por todos os meios, com bombardeiros e heli-canhões, "botas no chão" de forças especiais, agentes da CIA com malas de dólares para os war lords. Fazê-lo bem e depressa, com o apoio de todo o mundo, de Londres e Paris ao Cairo e a Moscovo.
Depois a efabulação ideológica e os interesses de Estados que não o Estado norte-americana entram em jogo e foi a marcha para a invasão do Iraque - a guerra errada no tempo errado. Esclareça-se que o meu qualificativo de "guerra errada" não tem nada a ver com a "ilegitimidade" internacionalista - aprovação da ONU, dos espíritos bem-pensantes ou p.c. Tem sim a ver com o seguinte:
Já antes, mas mais depois do 11-S, o grande perigo para o mundo civilizado vem do macroterrorismo fanático, de base não estatal, isto é fragmentado, errático, ideológico. São preferíveis Estados, mesmo Rogue States, a não Estados - ou áreas caóticas como a Somália, ou o Iraque "libertado". Sadam Hussein era um tipo pouco recomendável, os filhos uns assassinos paranóicos, mas se fôssemos a aplicar essa regra para atacar governos, desconfio que talvez metade dos regimes no poder fora da OCDE teriam que ser invadidos em nome dos direitos do homem ou da anti-corrupção.
Além disso, a máquina de guerra americana, magnífica para a campanha do Iraque, não está preparada para ser uma força de ocupação e polícia. E quando, com o zelo depurador, o Sr. Bremer, licenciou as Forças Armadas e de Segurança iraquianas, abriu um buraco cósmico, que além de dezenas de milhar de iraquianos assassinados à faca, tiro e bomba entre si, já quase matou mais de 2000 soldados americanos e aliados.
E as alternativas não são famosas: ou o Iraque se divide em três - os curdos no Norte e uma partilha territorial complicadíssima entre os shiitas e sunitas no resto do país. Ou para ficar unido irá progressivamente ter que aplicar o estado de excepção, através dos militares e forças policiais, acabando num regime autoritário, pré-ditatorial. De que os ocidentais serão aliados e terão que apoiar, por muito tempo, pelo menos em termos de forças aéreas e forças convencionais pesadas. E no fim - Sadam Hussein.
Sadam Hussein, aliás, estava tranquilo e não esperava pela guerra pois comungava daquela crença básica de que os interesses dos Estados Unidos, que o tinham ajudado como paladino anti-fundamentalista, passavam por mantê-lo no poder. E que ele não tinha ligações nem com a Al-Qaeda, nem com armas de destruição maciça. Ele sabia e pensava, que os americanos sabiam, e que só por estupidez o atacariam.
Hitler tinha feito a mesma análise com os ingleses! É sempre perigoso achar que conhecemos "objectivamente" os interesses de outros países melhor que eles.
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