4-12-1980: Morte e legado de Francisco Sá Carneiro
No dia 4 de Dezembro de 1980, viajei para Washington para uma reunião do "Cercle", no Hotel Madison. Ao chegar, o Alfredo Sanchez-Bella (grande amigo, já falecido) gritou-me muito alarmado: "Ha muerto Carneiro!". Fiquei sem saber, se Sá Carneiro, se Soares Carneiro, o candidato da AD às presidenciais.
Era o fim de tarde em Washington, noite alta em Lisboa. Falámos para Lisboa compreender e saber os pormenores. Era verdade, morrera Francisco Sá Carneiro mas não se sabiam detalhes...
A morte de Sá Carneiro, as circunstâncias, o enigma, as razões, as complicações subsequentes iam trazê-lo para uma zona de mistério de um chefe político que desaparece jovem, a meio da carreira. Entrava, assim, na mitologia da revolução e da refundação do regime, com este a sair do PREC. Tornava-se também um centro de culto, com os barões do PSD a reclamar-se do "seu legado", a enaltecerem o seu "pensamento" e a quererem alicerçar a própria "legitimidade" na continuidade e reflexo da obra do fundador do Partido. O que durou até ao despontar do "novo sol", com Cavaco Silva. Embora a alguns destes requisitos não fosse fácil dar seguimento substancial, por exemplo ao "pensamento político", pois Sá Carneiro, como quase todos os políticos partidários envolvidos na acção, não deixou escritos teóricos de profundidade.
Na verdade, dos quatro pais-fundadores políticos da III República - Cunhal, Sá Carneiro, Soares e Freitas do Amaral - os dois primeiros entraram nesse universo mítico, onde o negativo se vai esbatendo e a devoção perdura. Cunhal ficou assim, para a Esquerda portuguesa, quando morreu, sem esquecer, sem renegar, sem mudar, sem perdoar, inabalável num mundo que se transformava à sua volta. Como Salazar, para a Direita.
Sá Carneiro também se fixou miticamente, quando morreu, naquilo que se vai ficar a discutir se foi um acidente estúpido "à portuguesa", causada por faltas de manutenção e cuidados técnicos, ou um tenebroso atentado. Que seria para alguns, contra Adelino Amaro da Costa, que ia accionar a investigação sobre os "fundos secretos" militares para o Ultramar, um "dossier" misterioso que parece ainda dormir nos arquivos do MDN.
A mitificação destes personagens - comparada com a (des)mistificação dos sobreviventes -é interessante. E vale a pena reflectir sobre a sua natureza e consequências, neste momento em que o PSD anda a (re)definir-se ideologicamente e a pressão dos politicamente correctos vai no sentido de empurrá-lo para ultrapassar "pela esquerda" o PS. Será que "o legado" ideológico de Sá Carneiro ainda conta? E em que sentido?
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