sexta-feira, janeiro 12, 2007

Dois portugueses grandes

Neste princípio de ano, apetece-me falar mais dos mortos que dos vivos, ou melhor, mais dos mortos que estão vivos que dos "mortos vivos" que andam por aí. E falar de alguns portugueses importantes, grandes portugueses, gente muito especial, que criou, que defendeu, que combateu por Portugal, que além de ter as suas vidas, as suas famílias, as suas crenças, as suas paixões, as suas empresas ou profissões, foi muito mais igual que os outros, no contributo que deu e quis dar à comunidade, à Nação. São muitos nestas condições. Muitos, porque ando já há muitos anos neste mundo e comecei muito cedo na luta política, não só das ideias como no terreno. Por isso pude conhecer e conviver com muitos destes portugueses "especiais".


Vou hoje falar de dois, como símbolos:

Alberto Franco Nogueira: conheci-o em 1969, na altura em que ele tinha saído do MNE e eu acabara de fundar a Política, uma revista que procurava não "continuar o salazarismo para além de Salazar" - quem tentou fazê-lo e fracassou foi o Prof. Marcelo Caetano - mas constituir uma alternativa "cultural" à direita e defender o conceito de nação euro-africana. Franco Nogueira era um homem que vinha da esquerda liberal e do nacionalismo republicano, quase jacobino. Eu era um "nacionalista-revolucionário", que tinha por heróis o José António (que como "castelhano", não caía bem a FN) o Denoix de Saint-Marc (o comandante da 1ª REP, que fizera o putsch em Argel para dar a cidade aos generais da Algérie Française, que não sabiam o que lhe fazer) e mais uma galeria de referências politicamente muito incorrectas, nesse tempo e agora.

Ao longo dos anos, até à sua morte, construímos, consolidámos e vivemos uma amizade forte; Franco Nogueira era de uma grande honestidade e lealdade, simples, com sense of humour, mas de um realismo tão apaixonado, que às vezes deixava de lado o "acaso" e o "factor humano", elementos tão realisticamente essenciais na política e na vida. Dedicou os seus últimos anos a biografar Salazar e o seu último livro a convencer os portugueses de que a Independência é o bem maior de uma Nação.

Outro grande português que conheci na época e que quero lembrar, por amizade e porque faz sentido dar testemunho da sua acção no que era então o Ultramar, foi Jorge Jardim. Conheci-o no mesmo período de 69-70. Jardim era (com Alexandre Ribeiro da Cunha) um dos "agentes de influência" do governo português na África Austral, com missões de grande delicadeza e dimensão, que desempenhou para Salazar, sempre com lealdade e coragem. Como dizia um amigo comum, o Prof. André Gonçalves Pereira, Jorge Jardim, era um "homem que não ligava nada ao dinheiro e não tinha medo de nada".

Era mesmo assim. Dei-me muito com ele, nesse início dos anos 70, quando o Ultramar estava a entrar em grande crise e grande risco. A relação de Jardim com o Governo de Lisboa tinha mudado a partir de Marcelo Caetano; procurou uma saída para Moçambique, que se traduzia numa solução que levasse à paz e à reconciliação das comunidades. Procurou soluções novas num tempo que já era curto para elas. Tinha, como todos os personagens de excepção, grandes sonhos. Maiores que a realidade e até que a razão. Mas o mundo seria muito mais pobre sem gente assim.

Quer Franco Nogueira quer Jorge Jardim morreram sem grandes bens de fortuna, tendo qualquer deles podido ter sido milionário, se fosse mais "elástico" em termos de consciência e honestidade. Ambos se sacrificaram coerentemente, pelos seus ideais. Ambos viveram ainda o tempo do Portugal grande, com poder regional no hemisfério Sul, o Portugal com espaço, território e poder no espaço e no território. Ambos fizeram, pelo país, por todos nós, coisas grandes e importantes. Um era o alto funcionário íntegro, competente, rigoroso, patriota; depois o ministro executor de uma política nacional, em tempos de grande isolamento e risco. O outro era o homem da aventura e da coragem física; com sentido do sonho, do pensar e agir no "grande jogo" da África Austral, quotidianamente.

Morreram há muito: Jorge Jardim em 1980, Franco Nogueira em 1994. Fazem falta, fazem-me falta, mas tenho um grande orgulho de ter sido seu Amigo por tantos anos e ter aprendido muito com eles.

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