quarta-feira, outubro 11, 2006

Argélia I

Viajei para Argel, em 4 de Outubro, via Toulouse, pois, não havendo voo directo, tem que se fazer um stop e uma conexão. Há várias possibilidades por Espanha, França ou Itália, de Barcelona e Paris a Roma e Milão. Escolhi Toulouse porque é uma dessas cidades "secundárias" da França, e as cidades secundária da Europa Ocidental são geralmente encantadoras. Tem História e histórias, com ruínas romanas, castelos feudais, catedrais góticas, praças barrocas e, além disso, muitas livrarias à volta da Place du Capitol.

Na quinta-feira, 5 de Outubro, desembaramos em Argel, no brand-new Aeroporto Boumedienne, num dia quente e solarengo. A minha primeira memória da Argélia é a da Guerra da Argélia, entre 1954 e 1961-62: uma história que começou com a insurreição do FLN, no dia de Todos os Santos de 1 de Novembro de 1954 (já tinha havido uma insurreição/repressão em 1945), e seguiu com a guerra, "militarmente" quase ganha pelos franceses.

Algérie française

Depois foi a Argélia Francesa. Nos meus primeiros passos políticos, no "JP", fundado pelo Zarco Moniz Ferreira, esta "causa" estava inscrita no topo da agenda; havia uns autocolantes Algérie Française e "L'OAS vaincra", para colar nos carros dos turistas franceses que começavam a chegar a Portugal, em força, naquele Verão de 1961, com os seus Renaults e Peugeots utilitários.

A história próxima estava fresca: em 13 de Maio de 1958, Argel em revolta, conduzida por uma frente "pró-Argélia francesa", inspirada e encabeçada por Jacques Soustelle, pelos generais Salan e Massu e por núcleos políticos que iam desde a direita nacionalista revolucionária (fascistas) - com Pierre Lagaillarde e Joseph Ortiz (das "Barricadas") - até aos gaullistas, reunida num "Comité de Salut Public", derrubava a Quarta República e forçava o Presidente Coty a chamar ao poder o General De Gaulle.

Todas estas multidões de "pieds-noirs" - os franceses da Argélia, os "colonos" - e de muçulmanos pró-franceses, convergiram para o Forum, assim se chamava a sede do Governo Geral, no Plateau, naquela linha que a França, desde Napoleão e da sua ressurreição "imperial romana" de quem procurava pontas e sínteses entre passado e futuro, tinha adoptado nas suas instituições.

Mas De Gaulle tinha outros planos; ou passou a tê-los. Levado ao poder pelos partidários da "Argélia Francesa", ia criar as condições em França para o fim do Império colonial da África do Norte, reprimindo implacavelmente os seus aliados da véspera. Uma parte do exército, alguns tradicionalistas românticos e católicos como Denoix de Saint-Marc, que comandava o famosíssimo 1 Régiment Étranger de Parachutistes, 1 REP, a ponta de lança do putsch dos generais, ou Jean-Marie Bastien-Thiry, que organizou o atentado de Petit Clamart e foi fuzilado em consequência, mais os "soldados perdidos" da Legião Estrangeira e das "forças especiais", resistiram ou passaram à clandestinidade, na que seria a "batalha da OAS", pondo a Argélia - e Argel - a ferro e fogo, numa política de "terra queimada". Mas a maioria do Exército francês "la grande muette", contrariada ou não, seguiu o caminho da "legalidade", obedecendo ao governo de De Gaulle.

Centuriões e Chacal

Destes anos confusos, ficam leituras e momentos que marcaram a nossa geração, como os romances de Jean Lartéguy, Les Centurions e Les Prétoriens; foi o Zarco quem me aconselhou a ler Les Centurions, no Verão de 1961, na edição da Bertrand. Mais tarde, em 1966, saiu o filme de Marc Robson (The Last Comando), que a Censura proibiu em Portugal (contar-me-ia o Rui Alvim, na ocasião, por levantar o problema da legitimidade da desobediência militar contra orientações do governo), com uma série de actores famosos encarnando os oficiais paraquedistas que eram os "heróis" de Lartéguy: Anthony Quinn fazia o Coronel Raspéguy, Alain Delon o Capitão Esclavier e - lembrei-me bruscamente há dias enquanto falava com o Chico Menezes deste livro e filme - o Maurice Ronet fazia de Boisfeuras. O Georges Segal interpretava um oficial argelino do Exército francês, primeiro com os seus camaradas e amigos do regimento, mas que, mais tarde, partiria para o outro lado, a juntar-se aos rebeldes do FLN. Quanto às mulheres eram a "clássica" Michelle Morgan, que encarnava uma socialite do jet-set argelino, que caía pelo Raspéguy (personagem ausente no livro) e a lindíssima Claudia Cardinale, que no livro tinha um romance com o Cap. Glatigny, mas no filme ficava com o Alain Delon. No nosso bando distribuímos papéis e eu, por percepção dos outros, era o Boisfeuras - o homem da agit prop e uma espécie de nacional-leninista obcecado pela acção. Havia também o Glatigny, que era nobre, tradicionalista, oriundo da Cavalaria, e um médico negro que encarnava o bom e sábio "primitivo", personagem que recomeçava a estar em voga na época (Chamo a atenção da Inês).

Outro ícone da Argélia-OAS foi o Chacal, primeiro no livro de Frederick Forsyth e depois no filme de Fred Zinnemman, com o Edward Fox no protagonista representando uma "ética profissional" do mercenário no seu duelo com Michael Lonsdale. Grande filme, grandes tempos, numa França dos anos sessenta, tão bem revisitada na rota mortífera e implacável de Fox-Chacal. Até ao fim.

(continua)

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