quinta-feira, outubro 05, 2006

O Passo da Floresta

As sociedades desenvolvidas do Ocidente têm causado uma certa náusea aos mais penetrantes observadores. O culto do deformado, do feio, da mentira, a vulgarização de todas as formas de depravação sob o largo manto de cultura de massa nunca deixou de irritar intelectuais cultos em todos os continentes. Salvo os intelectuais que promoviam as aberrações e que as consideravam um alto exercício de cultura vanguardista, nas fronteiras da imbecilidade para os públicos que as observavam com espanto entendendo-as como formas de audácia criativa. Alguns buscaram responder a este assalto de uma cultura de divertimento e laxismo, estruturada em superficialidades, relativismo, culto do eu e do corpo, da hipocrisia e da tolerância, potencializante do desenvolvimento dos sentidos humanos mais brutais com distopias aterradoras. Entre eles cumpre destacar Aldous Huxley, quer no seu livro de marca (Brave New World), quer no menos conhecido The Island, que faz o processo dessas culturas escabrosas, mas ele já era um homem convertido a Vilfredo Pareto, o italiano útil. Mas outros seguiram os seus passos. Os mundos tenebrosos e maléficos sucederam-se em catadupas no século XX com os livros de Ray Bradbury, de Phlipp K. Dick, de Stanislas Lem e do outro lado da Cortina com os trabalhos bem elaborados de Kir Bolichev e dos irmãos Strutgatsky, que fizeram o que puderam para demonstrar, sem régua ou esquadro, que aquele mundo alternativo tinha chegado ao fim e o que restava era a distopia, que eles retratavam em contos e novelas de fina imaginação, mas que o regime cego a tudo o mais que a sua certeza, editava. E isso já era um sinal da sua debilidade. Os autores ditos nobres como Ernst Jünger deveriam assentar um golpe fatal: a sua experiência de guerreiro e homem solitário deram-lhe o distanciamento devido para atacar de frente o monstro, denunciando sobretudo a banalidade e a opressão da máquina estatal sempre em crescimento. Ele sugeriu que era possível neste tempo ainda salvaguardar uns quantos homens dispersos com capacidade de passar à floresta: isto é, um processo pelo qual uma pessoa se auto-revela e se auto-selecciona pelo sofrimento e pela alegria, mas nunca pela dor e pelo prazer, porque esse é o alimento dos animais. Falésias de Mármore, As Abelhas de Cristal, Heliopolis, Ewmeswille, são obras decisivas que desenham o modo de selecção: o homem verdadeiro retira-se do jogo banal, que se lhe torna indiferente. Numa postura estética, o homem passa à invisibilidade no mundo dos homens, passa a número que não é contado, e na novela perde-se na floresta, que é o modo germânico de ver as coisas. Parece que nunca como hoje, nas sociedades ocidentais, escravizadas pela cultura dominante do divertimento, obcecadas por ver e espiar pelo buraco da fechadura (a televisão), ver as intimidades de cada um que lhes são fornecida por diversas novelas, dominadas por uma baixa intelectualidade que se põe em bicos de pés para ser vista, se torna necessário dar esse passo. Passar à invisibilidade, integrar a hoste da floresta, que ao contrário do que se deveria esperar já não abriga bárbaros, mas pessoas cultas e que em vez de se refugiar como um resto na floresta, se deixam ficar calmamente na cidade a observar o espectáculo que lhes é fornecido. Curiosamente as sociedades ocidentais estão a desenvolver um proletariado interno, não no sentido marxista (os operários), mas no sentido de uma massa de não integrados em ordens ou estratos ou classes, deserdados, indigentes, desempregados, imigrados, pobres, que tenta esconder ou subalimentar. Por outro lado, esta sociedade abundante está rodeada por um proletariado externo que vê nela o seu paraíso na terra. Este proletariado externo para a Europa é constituído sobretudo pelo mundo islâmico, que iniciou a sua entrada pacífica. Na verdade, o fim, no sentido que lhe deu o historiador inglês Arnold Toynbee, esta à vista se não se inverterem determinadas megatendências. O proletariado externo e o proletariado interno não se contentarão com a comida de Soylent Green, de Harry Harrison. Quererão coisas mais substanciais como espaço, etnicidade reconhecida, religião confirmada e livre, e depois tudo o que se possa obter sem violência manifesta. De seguida serão o exército, como em Roma na decadência. E o tempo da floresta também passará.

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial