Sobre a Identidade Nacional (2): A crise de identidade?
Sempre soubemos conviver com ela a mal e a bem, com espadas e com poemas, com agruras e espinhos, com festas do Espírito Santo e romarias a Fátima para os milagres na devida altura do desespero. Com profetas e visionários, mas também com dirigentes realistas que souberam interpretar o interesse do país. Não é desta vez que as coisas serão diferentes. Mais dificuldades aguçam o engenho e se o engenho não for pequeno, tal como a alma, o país encontrará o seu caminho novo, traçado sobre o ferro de velhas verdades. Se os desafios se colocam como intransponíveis, tanto melhor! Já dizia Jorge Dias que os portugueses sem desafios à sua altura definham e tornam-se macilentos, desinteressados. Portugueses à solta foi o que ficou no Brasil; o que nos restou aqui, neste tempo baixo, de zumbaias e subserviências, são alguns Fernão Mendes Pinto que empreendem as suas Peregrinações pessoais, introspectivas, ou outros que se adentram pelo passo as floresta, numa caminhada de companheiros dos Wandervogel. Quem se despede? Penso que ninguém está disposto a desligar a electricidade depois do último voo da Passarola. Espera-se. Mas o esperismo é revolucionário, como demonstrou toda a história do sebastianismo nos seus episódios de revoltas e enforcamentos de renitentes à colonização castelhana. Esperar não é tardar, nem doença dos nervos. É uma atitude do saber antigo, dos temas de Heráclito e de Platão, dos temas estratégicos de Tucídedes, enfim, do sumo clássico que também Portugal bebeu da filosofia grega. Penso, na verdade, que na dinâmica a que estamos submetidos - já não somos senhores de nós próprios, mas arrendatários de um feudo. E esta posição exige respostas. Uma delas, no meu entender, é voltar a repensar, na velha sabedoria, quem somos, o que queremos e encontrar os novos rumos para uma identidade que não se esboroa e antes se reforça com os desafios mais difíceis. Não há uma crise de identidade. O que existe é uma crise de valores em que assenta a cidadania. Mas quem contribuiu para a sua erosão admira-se e escandaliza-se agora com o resultado. O mundo parece feito de tolos. Mas, atenção, isso só é válido para os outros tolos. Se não cuidamos da protecção da nossa identidade, sem os sentimentos ridículos de ter copyright, podem ter a certeza que ninguém irá fazê-lo. Os grandes povos andam há muito tempo numa campanha a que se pode chamar a campanha da obnubilação dos povos dispensáveis, dos condenados da terra como dizia Frantz Fanon. E a obnubilação é uma possibilidade da história If (se). Uma História que se tornou famosa por narrar aquilo que nunca se passou na nossa dimensão espacial. Para não ser sujeitos da IF é preciso ser responsáveis na história factual do presente. E é essa via que temos de descobrir tal como os nossos antepassados se meteram por esse mar fora à procura de mais terra. Porque já tinham terra e o mar era um desafio.
5 Comentários:
Senhor Professor Marques Bessa,
O Senhor Professor é uma pessoa que eu admiro desde sempre pela sua frontalidade e integridade e por sempre saber de forma elevada desconstruir a teia que nos tolhe. E de facto, de novo, toca na ferida- a crise de valores que se instalou pelo relativismo que foi estrategicamente disseminado para amolecer as consciências agora está a ter os seus frutos. O respeito pelo próximo no nosso país reduz-se agora aos dividendos que se possam extrair de certas relações; a lealdade é já tão anacrónica que o próprio vocábulo parece provir de alguma lenda medieval; a rectidão de carácter é desprezada como se de uma deficiência se tratasse; a ânsia pelo protagonismo e pelo "sucesso" é tão desesperada que se trucidam pessoas de valor só pelo mero receio que façam sombra aos egos inflamados que invadiram este país.
Este discurso não provém de uma pessoa de idade, mas tão somente de uma pessoa que, embora sendo jovem, não confunde juventude com barbárie, nem com degradação.
Assisto atónita à decomposição cívica de um país cada vez mais possuído pela boçalidade e pela falta de princípios e dói-me a alma...
Gand'a Bessa! Força!!
Mas, hoje, não estaremos incluídos nos tais “povos dispensáveis”?
Havia saudades do 'deste' Saber.
Até ao próximo texto!
O comentário segue Anónimo, como sinal de respeito pelo Autor, que não precisa de bajuladores.
Ao autor do último post: o bajulador por definição é aquele que elogia sofisticadamente alguém com o intuito de auferir algum benefício. Com esse propósito certamente que se identifica- como bem referiu no seu comentário.
Pelo que vejo todos os posts anteriores foram anónimos, como o seu.
Não creio que seja muito elegante estar a referir-se nesses termos a elogios alheios feitos com sinceridade.
You are the best,Bessa!
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