NO FIM DA FESTA
Nos tempos da autêntica asfixia democrática, os chefes políticos eram reis e reinavam por graça do céu. Depois, ou porque a fé diminuiu ou os homens entenderam não meter Deus nestas trivialidades, foi preciso buscar outras soluções.
Foi uma modernização, como diria o Eng. Sócrates, que trouxe as ideias de soberania nacional e de vontade do povo. Mas como a nação e o povo, respeitabilíssimos entes que eram e são, não passavam de uma entidade histórico-cultural e da soma de criaturas diferentes e dispersas, foi preciso encontrar formas de os ouvir, ou perceber o que queriam.
A história política dos séculos XIX e XX dá conta da polémica entre as correntes interpretativas dessa vontade popular: da guilhotina revolucionária à Shoa e aos Goulags russo e chinês, tais teorias aplicadas pelos seus seguidores mais autênticos, fizeram correr muita tinta e ainda mais sangue.
Duas guerras – a Segunda e a Fria – reduziram, em teoria, tais teorias, à democracia representativa liberal. Que quer combinar a vontade da maioria com a garantia da minoria, uma ideia original das ilhas britânicas que agora procura estender os seus benefícios a lugares remotos, como o pitoresco Afeganistão.
Em vez de prosseguir na senda da busca dos tais “melhores” representantes (aqueles mais iguais que devem mandar nos outros) a teoria democrática assenta tal selecção na soma aritmética das vontades de todos os outros, melhores, iguais ou piores que eles. Passa-se da metafísica ao jogo legal - quem tiver mais votos ganha.
O jogo eleitoral tem como chave convencer – por artes de retórica e de dialéctica, retórica para os eleitores, dialéctica contra os adversários - da bondade e coerência de propostas e propósitos próprios e da maldade dos contraditores. E dada a publicidade do debate e a necessidade de dispor bem o soberano - o povo - faz-se uma festa em que as artes e formas de comunicação contam pelo menos tanto como os conteúdos, e aquilo que, com o relativo valor desde que o céu se retirou destas coisas, se pode chamar a sua verdade ou mentira à luz do bem público. E a simpatia e empatia dos comunicadores profissionais – jornalistas, marqueteiros, comentadores – conta muito.
Assim sendo, os resultados de domingo não admiram: Paulo Portas é um convincente retórico e dialéctico, “tecnicamente o melhor político português”, diz Vasco Pulido Valente; José Sócrates vem a seguir nestas artes; Louçã tem um toque zangado, agressivo que assusta as tias mais idosas; Jerónimo de Sousa é fixe mas de cassete velha. Manuela Ferreira Leite pode ter razão, mas não “é fixe”, não tem retórica, não dá a volta à realidade, não faz da política uma festa. E sobretudo não disfarça isso.
E os festivos – todos – não lhe perdoam. Viu-se.
(Artigo publicado no i, 29-09-09)
Foi uma modernização, como diria o Eng. Sócrates, que trouxe as ideias de soberania nacional e de vontade do povo. Mas como a nação e o povo, respeitabilíssimos entes que eram e são, não passavam de uma entidade histórico-cultural e da soma de criaturas diferentes e dispersas, foi preciso encontrar formas de os ouvir, ou perceber o que queriam.
A história política dos séculos XIX e XX dá conta da polémica entre as correntes interpretativas dessa vontade popular: da guilhotina revolucionária à Shoa e aos Goulags russo e chinês, tais teorias aplicadas pelos seus seguidores mais autênticos, fizeram correr muita tinta e ainda mais sangue.
Duas guerras – a Segunda e a Fria – reduziram, em teoria, tais teorias, à democracia representativa liberal. Que quer combinar a vontade da maioria com a garantia da minoria, uma ideia original das ilhas britânicas que agora procura estender os seus benefícios a lugares remotos, como o pitoresco Afeganistão.
Em vez de prosseguir na senda da busca dos tais “melhores” representantes (aqueles mais iguais que devem mandar nos outros) a teoria democrática assenta tal selecção na soma aritmética das vontades de todos os outros, melhores, iguais ou piores que eles. Passa-se da metafísica ao jogo legal - quem tiver mais votos ganha.
O jogo eleitoral tem como chave convencer – por artes de retórica e de dialéctica, retórica para os eleitores, dialéctica contra os adversários - da bondade e coerência de propostas e propósitos próprios e da maldade dos contraditores. E dada a publicidade do debate e a necessidade de dispor bem o soberano - o povo - faz-se uma festa em que as artes e formas de comunicação contam pelo menos tanto como os conteúdos, e aquilo que, com o relativo valor desde que o céu se retirou destas coisas, se pode chamar a sua verdade ou mentira à luz do bem público. E a simpatia e empatia dos comunicadores profissionais – jornalistas, marqueteiros, comentadores – conta muito.
Assim sendo, os resultados de domingo não admiram: Paulo Portas é um convincente retórico e dialéctico, “tecnicamente o melhor político português”, diz Vasco Pulido Valente; José Sócrates vem a seguir nestas artes; Louçã tem um toque zangado, agressivo que assusta as tias mais idosas; Jerónimo de Sousa é fixe mas de cassete velha. Manuela Ferreira Leite pode ter razão, mas não “é fixe”, não tem retórica, não dá a volta à realidade, não faz da política uma festa. E sobretudo não disfarça isso.
E os festivos – todos – não lhe perdoam. Viu-se.
(Artigo publicado no i, 29-09-09)