domingo, dezembro 31, 2006

2006 - Um ano mais

Um ano menos foi como Fernando Vizcaíno Casas - advogado e humorista espanhol - intitulou a edição do diário desabusado que escreveu de Maio de 1978 a Maio de 1979. Não foi - como poderia ter sido, numa versão mais optimista, "um ano mais". Era um livro tão desencantado como o seu título e um dos melhores que escreveu. Os humoristas quando escrevem um bocadinho mais a sério costumam revelar a melancolia que é normalmente atributo seu e da maior parte dos grandes cómicos. Era o caso também do nosso André Brun, que deu como epígrafe a um dos seus livros de crónicas "Ano novo, vida velha..." e a uma das suas crónicas sobre a passagem do ano o título paradoxal de "Ano velho, vida nova". Vizcaíno Casas, um autor franquista que nunca teve tanto êxito como depois da morte de Franco, escreveu entre muitos outros livros o estrondoso best seller ...E ao terceiro ano ressuscitou (uma ficção política sobre a ressurreição de Franco) cuja edição portuguesa teve um brilhante pósfácio de Manuel Múrias, mais tarde plagiado com o encantador descaro espanhol pelo próprio Vizcaíno Casas, no primeiro número - salvo erro - da edição espanhola da Playboy. Prestes a terminar o ano em que faz setenta anos que começou a Guerra Civil espanhola - e parece que toda a guerra há-de ser doravante, mais claramente do que no século XX, nalguma ou em toda a medida, uma guerra civil - lembrei-me deste escritor espanhol - e as recordações podiam ir sendo desfiadas por aí fora. Deve ser da idade. Numa veia menos saudosista, lembro a existência - ou recomendo que procurem, aos que não conhecem - a galáxia de belos e idiosincráticos almanaques e outras publicações de Ben Schott, a começar pelo Schott's Almanach propriamente dito. Bom ano para todos.

Goa há 45 anos

Fez anos no dia 18 de Dezembro que a União Indiana, num assomo irreprimível de pacifismo democrático, invadiu e ocupou a Índia Portuguesa. A RTP emitiu um programa sobre esse episódio em geral pouco glorioso dos anos derradeiros da história de Portugal. Impressionaram-me as imagens das nossas tropas a destruir o próprio armamento - para anular qualquer possibilidade de ter de combater? Não parecia que fosse para o subtrair ao inimigo. Lembra-me o Àlvaro de Campos do "Poema em linha recta"("Eu, que, quando a hora do sôco surgiu, me tenho agachado/Para fora da possibilidade do sôco").

sábado, dezembro 30, 2006

A propósito de Jonathan Littell

Graças ao Bernardo Calheiros fomos dos primeiros em Portugal a falar do romance de Jonathan Littell Les Bienveillantes, o livro francês que deu ao autor, um americano em Paris, o Prémio Goncourt, depois de lhe ter granjeado o Grande Prémio do romance da Academia Francesa. Consta de muitas das listas dos melhores livros do ano de 2006 - incluindo o curto palmarés de Vasco Pulido Valente, que como toda a gente sabe é muito esquisito. Do que se tem falado menos é do pai do autor, o romancista Robert Littell, que em dois ou três livros de espionagem (The Defection of A.J. Lewinter ou The Debriefing) pareceu, nos anos 70, poder ombrear com Len Deighton ou John Le Carré. Um dos seus livros mais recentes foi The Company (2002), a novel of the CIA, que não é uma má introdução à história "secreta" dos Estados Unidos na segunda metade do século XX, ou seja, na Guerra Fria. Numa bibliografia muito pessoal está ao lado de Harlot's Ghost, que é a CIA segundo Norman Mailer, do My Life in CIA de Harry Mathews (uma figura literária muito especial de que havemos de falar mais longamente), The American Black Chamber, memórias de Herbert O. Yardley, um dos criadores da contra-espionagem norte-americana, Spytime: The Undoing of James Jesus Angleton, de William F. Buckley, Jr. Les Bienveillantes tem mais de 900 páginas. Não sei se isto é hereditáro, mas na minha edição de bolso, The Company chega quase às 1.300.

Os títulos e as notícias

Por exemplo: no "Público" de hoje o título é ""Trabalhistas ultrapassam Tories" e a notícia diz o seguinte - "O partido do primeiro ministro Tony Blair está com 37 por cento das intenções de voto, enquanto o Partido Conservador, de David Cameron, fica com 37 por cento e os liberais democratas, de Menzies Campbell, com 14 por cento." Está bem. Mas estará o Labour a ganhar terreno? A notícia também nos fala da evolução recente: "O Labour subiu um ponto, os Tories dois pontos e os Liberais Democratas desceram três pontos em relação à última sondagem do mesmo jornal."
É de agradecer, em todo o caso, que não se escreva em parte nenhuma da notícia "enquanto que". Como se diz na Inglaterra, thank God for small mercies. Ou, em português, é melhor do que nada.

Aborto: mais argumentos inteligentes a favor do sim

Ana Sá Lopes - a quem muito será perdoado pela sua criação da Vanessa e respectivas aventuras - escreveu no "Público": "Como é que se combate o terrorismo argumentativo dos movimentos do "não", que falam como se o aborto por opção não existisse já em Portugal (no caso de violação ou malformação do feto) e estivesse, agora, na mão dos portugueses pela primeira vez, decidir se isso passa a ser ou não praticado?" Tem toda a razão: as opções existentes e a opção por simples capricho que passa a ser possível são exactamente a mesma coisa e chamar as coisas pelos seus nomes é evidentemente um enjoativo e vergonhoso "terrorismo argumentativo". É tudo enjoativo na campanha do "não", até perguntar por exemplo, como perguntou o Dr. Malta à Dra. Edite Estrela, que ficou sem palavras, se as mulheres que violarem a lei proposta (com um aborto praticado no minuto seguinte às dez semanas da proposta, não continuam a estar "sujeitas aos julgamentos em tribunal". São mesmo precisos "nervos de aço" para aguentar o descaramento "dos que misturam Código Penal (...) com supostas 'defesas da vida' ." Como se defende a vida ou seja o que fôr é, como qualquer pessoa percebe, retirando-lhe a protecção das leis.

quarta-feira, dezembro 27, 2006

nostalgias: James Bond forever




Gerald Ford (1913-2006)


Gerald Ford, que foi vice-presidente de Richard Nixon e assumiu a presidência dos EUA quando este renunciou, sob pressão dos media e do Congresso, no Verão de 1974, faleceu hoje na sua residência de rancho Mirage (California). Tinha 93 anos e será lembrado como um dos últimos presidentes não-ideológicos, um republicano moderado, apaziguador, preocupado com consensos bipartidários em política externa, um dos últimos políticos norte-americanos tipo "anos 50". E que, sem ter sido directamente eleito para tal, governou a América no rescaldo do Wattergate. E não pôde impedir o desastre do Vietname, em Abril de 1975, quando o Congresso, dominado pelos "liberais", bloqueou toda a ajuda ao governo de Saigão, permitindo aos comunistas de Hanoi uma vitória-relâmpago por invasão do Sul, com total desrespeito pelos Acordos de Paris.

Foi também o autor de uma interessante frase, que por estar certo que lhes agrada dedico nesta quadra aos meus amigos e confrades da direita liberal : "A Government big enough to give you everything you want, is a Government big enough to take from you everything you have!"

terça-feira, dezembro 26, 2006

Batalhas do Passado

Uma série de episódios recentes - a morte de Pinochet, a revisionista "Lei da Memória" de Zapatero sobre a Guerra Civil Espanhola, a inclusão de Salazar em lugar cimeiro no concurso dos Grandes Portugueses - trouxeram o passado outra vez para o debate quotidiano. Que diga-se, é mais interessante que discutir os méritos e flops do Dr. Marques Mendes, ou "as reformas" inadiáveis.

O passado, "país estranho" de onde acabamos por vir, pessoal ou colectivamente; porque somos todos de lá, mesmo os mais progressistas ou futuristas; temos lá os nossos predecessores, os nossos irmãos de armas ou letras, os nossos mártires, os nossos heróis, os nossos inimigos, os nossos fantasmas, os nossos algozes. Num dado momento temos que escolher entre o D. Pedro e o D. Henrique, entre Cromwell e Carlos I, entre o Marquês e os Távoras, entre os Jacobinos e os Chouans, entre D. Pedro e D. Miguel; ou entre os "Brancos" e os "Vermelhos", os Nacionalistas e a Frente Popular, Pinochet e Allende. É assim. A "vida do espírito" é também essa continuidade e essa comunidade com as guerras desse "estranho país".

Curiosamente a esquerda - a tal "eterna" e politicamente correcta, convencida, arrogante, jacobina, "antifascista", dona da verdade e da democracia - mostra-se aqui empedermidamente igual a si mesma, escamoteando factos, cobrindo razões com gritos de indignação e insultos, não dando o braço a torcer.

É um maniqueísmo que recusa a realidade e a natureza dos homens e das coisas e a ideia - talvez por ser cristã, talvez por ser antropologicamente pessimista (logo "de direita") - que o homem é igual desde que há memória e história como crónica dos homens; capaz de tudo, do melhor e do pior, de paixão, de cálculo, de generosidade, de crueldade, de dedicação incontida, como de traição calculada. Actuando por medo, interesse ou honra. Um maniqueísmo que distribui essas qualidades humanas segundo ideologias e partidos: do género - os comunistas são sempre "coerentes e corajosos" mas os fascistas são, nas mesmíssimas atitudes, "fanáticos e brutais"; as direitas são egoístas e exploradoras; as esquerdas generosas e amigas dos pobrezinhos. Como se isto tivesse alguma coisa a ver com a realidade.

O tempo, que é um grande mestre (perdoem-me o cliché, mas é mesmo...) ensina o contrário: que na política, "reino do mal", como aprendemos com Santo Agostinho e Maquiavel, a razão de Estado, quando se trata da sobrevivência das comunidades e pessoas em situações limite - mors tua vita mea - leva os protagonistas a fazer as mesmas coisas: no Chile em 73, ou na Espanha em 36, fatalmente ia haver confronto, guerra, vítimas de guerra, vítimas colaterais, vencedores e vencidos. Como na Rússia em 1917, na China em 1949, ou em Cuba em 1959. Como em França na Revolução ou nas Guerras Religiosas. Os vencedores sempre reprimem e punem mais que os vencidos e, nos casos citados, pode dizer-se que, a avaliar pelos exemplos dos correligionários, temos legítimas dúvidas de qual teria sido o resultado da vitória dos "rojos" no Chile em 73 e em Espanha em 1936. A avaliar pelo que fizeram em Espanha nas áreas que controlaram em 36 e o que fizeram em Cuba, desde que tomaram o poder e pelo modo como o exerceram quando não tiveram os Francos e Pinochets para os parar.
Publicado no Expresso a 22.12.06

Não é Natal todos os dias

Não é Natal todos os dias e muito menos quando a gente quiser. O Natal é só um - o do Nascimento de Cristo. Foi o que se comemorou ontem, como todos os anos. O resto é música e não propriamente celestial.

segunda-feira, dezembro 25, 2006

Mais nostalgias natalícias: Dickens e "A Christmas Carol"


Deve ter sido dos primeiros contos ilustrados que li - e fiquei fascinado com os três espíritos do Natal; com estas short trips no tempo, com a bondade de uns, com o arrependimento e transformação do velho Scrooge, com Londres e a neve. A Gertrude Himmelfarb é quem tem razão: nada como a tão vilipendiada ética vitoriana, destes fabulosos romances populares, para formar gente decente. Vejam só o happy end do empedernido avarento!

domingo, dezembro 24, 2006

Nostalgias da quadra... "White Christmas"


É um bocado kitsch, mas tem a sua graça e algumas memórias. E gosto deste dueto à neve do Bing Crosby e da Rosemary Clooney. Que lhe terá acontecido?

Neste ano do Senhor...

In Hoc Anno Domini


When Saul of Tarsus set out on his journey to Damascus the whole of the known world lay in bondage. There was one state, and it was Rome. There was one master for it all, and he was Tiberius Caesar.

Everywhere there was civil order, for the arm of the Roman law was long. Everywhere there was stability, in government and in society, for the centurions saw that it was so.

But everywhere there was something else, too. There was oppression -- for those who were not the friends of Tiberius Caesar. There was the tax gatherer to take the grain from the fields and the flax from the spindle to feed the legions or to fill the hungry treasury from which divine Caesar gave largess to the people. There was the impressor to find recruits for the circuses. There were executioners to quiet those whom the Emperor proscribed. What was a man for but to serve Caesar?

There was the persecution of men who dared think differently, who heard strange voices or read strange manuscripts. There was enslavement of men whose tribes came not from Rome, disdain for those who did not have the familiar visage. And most of all, there was everywhere a contempt for human life. What, to the strong, was one man more or less in a crowded world?

Then, of a sudden, there was a light in the world, and a man from Galilee saying, Render unto Caesar the things which are Caesar's and unto God the things that are God's.

And the voice from Galilee, which would defy Caesar, offered a new Kingdom in which each man could walk upright and bow to none but his God. Inasmuch as ye have done it unto one of the least of these my brethren, ye have done it unto me. And he sent this gospel of the Kingdom of Man into the uttermost ends of the earth.

So the light came into the world and the men who lived in darkness were afraid, and they tried to lower a curtain so that man would still believe salvation lay with the leaders.

But it came to pass for a while in divers places that the truth did set man free, although the men of darkness were offended and they tried to put out the light. The voice said, Haste ye. Walk while you have the light, lest darkness come upon you, for he that walketh in darkness knoweth not whither he goeth.

Along the road to Damascus the light shone brightly. But afterward Paul of Tarsus, too, was sore afraid. He feared that other Caesars, other prophets, might one day persuade men that man was nothing save a servant unto them, that men might yield up their birthright from God for pottage and walk no more in freedom.

Then might it come to pass that darkness would settle again over the lands and there would be a burning of books and men would think only of what they should eat and what they should wear, and would give heed only to new Caesars and to false prophets. Then might it come to pass that men would not look upward to see even a winter's star in the East, and once more, there would be no light at all in the darkness.

And so Paul, the apostle of the Son of Man, spoke to his brethren, the Galatians, the words he would have us remember afterward in each of the years of his Lord:

Stand fast therefore in the liberty wherewith Christ has made us free and be not entangled again with the yoke of bondage.

(Transcrito de The Wall Street Journal,24 Dez.2006)

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Outras nostalgias :Beatles'"love"

terça-feira, dezembro 19, 2006

Euro-entusiastas ou luso-deprimidos?

Título do DN de hoje: "Os portugueses são dos que mais apoiam a Constituição europeia". É a conclusão de um inquérito conduzido nos países da União que ainda não ratificaram o respectivo tratado, em que Portugal - à pergunta "É a favor ou contra a Constituição Europeia?" - é o segundo país que em percentagem dos inquiridos mais entusiasticamente se manifesta "a favor", bastante acima da média europeia (60% contra uma média de 53%); em compensação, os mesmos portugueses estão muito abaixo da média quanto ao apoio a uma Política Externa Comum, contradição que parece indicar que nem nós nem "a média europeia" sabemos muito bem o que dizemos ou queremos. Se calhar o fervor constitucional europeísta dos portugueses deve ser interpretado, como sugeriu em tempos - se não me engano - Pedro Magalhães - como, simplesmente, o desejo de ser governado por alguém e a descrença na capacidade e vocação para o efeito das classes dirigentes portuguesas: antes Bruxelas.

Le Magazine Littéraire: ainda mais antigo que o Futuro Presente

Le Magazine Littéraire comemorou este mês com um número especial o seu quadragésimo aniversário: o primeiro número foi publicado em 1966. Neste número especial dos quarenta anos o tema - como seria de esperar - é "Quarenta anos de literatura" - e é constituído quase inteiramente por uma recapitulação - ano a ano - dos "maiores livros contados pelos seus autores", que vão de Jorge Luis Borges a Jean Echenoz, passando quase sempre pelo óbvio, e até pelo insignificante (Toni Morrison, Tabucchi...) mas literariamente correcto, Montherlant, Sagan, Garcia Márquez, Aragon, Semprun, Mailer, Paul Auster, etc. Note-se, em todo o caso, a presença, de J. G. Ballard, Ray Bradbury (o Louis Amstrong de ficção científica, como dizia Kingsley Amis: "é o nome que toda a gente que não percebe nada do assunto conhece"), Simenon ou Anthony Burgess. Segundo nos informa o actual "Director da Redacção", Jean-Louis Hue, "é a revista literária mensal que mais se vende em quiosques em França", um título de glória um tanto ambíguo. Diz também Hue que se vende cada vez mais no estrangeiro (inclundo os Estados Unidos). Tirando os países francófonos, as capitais estrangeiras onde mais se vende são - tachim! - Lisboa, Tunes, Roma e Nova Iorque. Vem a calhar para assunto do nosso número "literário" (provavelmente vai ser afinal o 64), em que falaremos também de algumas outras revistas literárias de nossa maior ou menor devoção.

Divisão Azul:o romantismo anti-soviético

Mais"românticos": anarquistas



Como não sou faccioso na admiração "histórica"...

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Mais nostalgias: os carlistas, tradicionalistas românticos

Nostalgias 28:do "romantismo"da Guerra d'Espanha

O meu post de ontem, do José António e do Durruti, trouxe alguns comentários, que agradeço, até por servirem de motivo para ir um pouco mais fundo na explicação do Zeitgeist (desculpem-me os puristas ) da nossa geração. Nos anos 60, a guerra de Espanha apareceu-nos mais pela ficção romanesca, que pela política. Logo, à partida, foi para nós uma guerra romântica, talvez por isso, por romanceada: Malraux, Hemingway, Veríssimo ("Saga"), Brasillach, Foxá, Gironella; das leituras dos historiadores, na época por junto o Hugh Thomas, traduzido entre nós e a apologética franquista de Bardèche e Brasillach, bem como alguns relatos de jornalistas portugueses, geralmente simpáticos para os nacionalistas, contrabalançados por um pano de fundo "antifascista", que impregnava a cultura do tempo.

De todas as formas, e fazendo a menção das centenas de obras sobre o tema, publicadas e lidas depois, desde os volumes de "história militar" da San Martin, às memórias dos participantes, aos livros dos "hispanistas", às monografias sobre as intervenções estrangeiras, às "temáticas", às "regionais", não alterei muito a minha opinião: com o devido respeito às vítimas, sobretudo às colaterais, destes "desastres da guerra", è um conflito que tem, independentemente de "lados" ou "bandos", momentos, episódios e personagens admiráveis. Gostávamos de ter lá estado... Como de ter ido na expedição de Alexandre à Ásia, ou Scipião a África; ou ter desembarcado com o Gama em Calecute, chegado com o Mouzinho a Chaimite ou reconquistado Luanda com o Salvador Correia de Sá. Naturalmente é assim porque acabámos por ver tudo isto pelos olhos "românticos" da História épica da Antiguidade ou "pátria" e das suas glosas oitocentistas, escritas ou pintadas. Admito e a minha costela realista reconhece e até desconstroi. Mas não me arrependo.

domingo, dezembro 17, 2006

Nostalgias 27: "Guerra d´'Espanha", ou antes do "desencanto do mundo".

E porque os ânimos estão agressivos, no terreno deste"país" estranho e estrangeiro que é o "passado", e para nós, aborrecidos, irritados ou resignados ao "desencanto do mundo" e à morte da política, sugiro estas "memórias" da última guerra romântica e de dois dos seus heróis em bandos opostos - José António e Durruti.


sábado, dezembro 16, 2006

Aborto: os grandes argumentos do Sim

"Às dez semanas, diz o primeiro outdoor da campanha do Não, bate um coração. A mensagem é esta: o embrião está vivo. O simples facto de alguém achar que este outdoor apresenta um bom argumento para convencer indecisos é preocupante. Primeiro, porque grande parte dos animais vivos tem um coração que bate - o que não faz ninguém reconhecê-los como pessoas (e os cavalos também se abatem, claro). Depois porque se o embrião não estivesse vivo não se poderia falar em interrupção voluntária da gravidez (q.e. d.: ficamos arrasados com esta evidência)." (O texto é de Fernanda Câncio, em DN, 15/12/2006; itálicos meus)

Essa faz-me lembrar aquela-1

O Senhor Padre e Cónego João Seabra - que muito prezo e oiço - cita algumas vezes nas suas homilias uns versos quase ignorados do quase ignorado Carlos Queiroz. Estão publicados no Breve Tratado de Não-Versificação (Lisboa, 1948) e rezam assim: Ver só com os olhos/É fácil e vão:/Por dentro das coisas/É que as coisas são. Lembrei-me deles ao ler uma citação de G.K. Chesterton desenterrada por Simon Leys (a ler tudo o que tem publicado sobre a China comunista, grande conhecedor do Império do Meio que é e anti-maoista prematuro que sempre foi, como por exemplo Ombres Chinoises, 10/18, 1974, a querida Revolução Cultural como ela é). O que diz Chesterton, algures, é: "Nada importa senão o destino da alma - e a literatura só é redimida de uma futilidade ainda mais radical do que a do jogo do galo, quando descreve não o mundo que nos rodeia, não as coisas que a nossa retina reflecte ou a gigantesca irrelevância das Enciclopédias contém mas alguma condição a que o espírito humano possa aspirar." (Les idées des autres - Idiosyncratiquement compilées par Simon Leys, pour l'amusement des lecteurs oisifs, Plon, Paris, 2005)

Mais Teerão:a opinião do WSJ

Em artigo editorial do Wall Street Journal de hoje, intitulado de "Road to Teehran", que transcrevemos a seguir , Bret Stephens adianta uma interessante( e também polémica) síntese sobre o polémico colóquio de Teerão:


"Not acceptable," says Ban Ki Moon, new Secretary-General of the United Nations. "Repulsive," say the editors of Britain's Guardian newspaper. "An insult . . . to the memory of millions of Jews," says Hillary Rodham Clinton. Global polite society is in an uproar over the Holocaust conference organized this week in Tehran under the auspices of Iranian President Mahmoud Ahmadinejad.

Moral denunciation is what reasonable people do -- what they must do -- when a regime that avows the future extermination of six million Jews in Israel denies the past extermination of six million Jews in Europe. But let's be frank: Global polite society has been blazing its own merry trail toward this occasion for decades.

The Australian Financial Review is not the Journal of Historical Review, the Holocaust-denying "scholarly" vehicle of some of the Tehran conferees. But in 2002 the AFR thought it fit to print the following by Joseph Wakim, at one point the country's multicultural affairs commissioner: "Sharon's war is not a war," he wrote. "Genocide would be a more accurate description." In Ireland Tom McGurk, a columnist in the very mainstream Sunday Business Post, noted that "the scenes at Jenin last week looked uncannily like the attack on the Warsaw Jewish ghetto in 1944." Jose Saramago, Portugal's Nobel Laureate in Literature, observed after a visit to Ramallah that the Israeli incursion into the city "is a crime that may be compared to Auschwitz."

Never mind that the total number of Jews "dealt with" in the Warsaw ghetto, according to Nazi commandant Jürgen Stroop, was 56,065, whereas the number of Palestinians killed in Jenin was no more than 60. Never mind that at the time Mr. Saramago visited Ramallah a total of about 1,500 Palestinians had been killed in the Intifada, whereas Jews were murdered at Auschwitz at a rate of about 2,000 a day. Let's concede that, for the sake of moral truth, strained comparisons may still serve useful rhetorical purposes. (Jews and Israelis also often make inapt Holocaust and Nazi comparisons.) Let's concede, too, that the comments cited above amount to criticisms of Israeli policy, nothing more.

Yet once a country's policies are deemed Nazi-like, it necessarily follows that its leaders are Nazi-like and -- if it's a popularly elected government -- so are at least a plurality of its people. "As the dogma of intolerant, belligerent, self-righteous, God-fearing irridentists . . . [Zionism] is well adapted to its locality," wrote Tony Judt, head of New York University's Remarque Institute, in the New York Review of Books. Ian Buruma of Bard College derided Israel's "right-wing government supported by poor Oriental Jews and hard-nosed Russians." And from British MP Gerald Kaufman, this: "If the United States is keen to invade countries that disrupt international standards of order, should not Israel, for example, be considered as a candidate?"

As it happens, Messrs. Judt, Buruma and Kaufman are all Jewish. So let's also concede that it is not anti-Semitic to oppose Zionism. After all, among the Tehran conferees were rabbis from the ultra-orthodox Neturei Karta movement, who, like Mr. Ahmadinejad, actively call for the elimination of the state of Israel.

Yet simply because opposition to Zionism ideologically or Israel politically isn't necessarily anti-Semitic, it doesn't therefore follow that being anti-Zionist or anti-Israel are morally acceptable positions. There are more than six million Israelis who presumably wish to live in a sovereign country called Israel. Are their wishes irrelevant? Are their national rights conditional on their behavior -- or rather, perceptions of their behavior -- and if so, should such conditionality apply to all countries? It also should be obvious that simply because opposition to Zionism does not automatically make one guilty of anti-Semitism, neither does it automatically acquit one of it.

Such nuances, however, seem to go unnoticed by some of Israel's more elevated critics. Michel Rocard said in 2004 that the creation of the Jewish state was a historic mistake, and that Israel was "an entitity that continues to pose a threat to its neighbors until today." Mr. Rocard is the former Prime Minister of France, an "entity" that itself posed a threat to its neighbors for the better part of its history."

Alternatively, Professors Stephen Walt of Harvard and John Mearsheimer of the University of Chicago, whose paper on "The Israel Lobby" is now being turned into a book, have complained that "anyone who criticises Israel's actions or argues that pro-Israel groups have significant influence over US Middle Eastern policy . . . stands a good chance of being labeled an anti-semite." Maybe. But earlier this week, former Klansman David Duke took the opportunity to tell CNN that he does not hate Jews but merely opposes Israel and Israel's influence in U.S. politics. He even cited Messrs. Walt and Mearsheimer in his defense. Would they exonerate him of being an anti-Semite?

In fact, anti-Zionism has become for many anti-Semites a cloak of political convenience. But anti-Zionism has also become an ideological vehicle for an anti-Semitism that increasingly feels no need for disguise. In January 2002, the New Statesman magazine had a cover story on "The Kosher Conspiracy." For art, they had a gold Star of David pointed like a blade at the Union Jack. This wasn't anti-Zionism. It was anti-Zionism matured into unflinching anti-Semitism. And it was featured on the cover of Britain's premiere magazine of "progressive" thought.

The scholar Gregory Stanton has observed that genocides happen in eight stages, beginning with classification, symbolization and dehumanization, and ending in extermination and denial. What has happened in Tehran -- denial -- may seem to have turned that order on its head. It hasn't. The road to Tehran is a well-traveled one, and among those who denounce it now are some who have already walked some part of it."

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Desenterrar o passado em Espanha


O PSOE de Zapatero, talvez para disfarçar o fracasso das negociações com a ETA, decidiu avançar, no Parlamento espanhol, com uma chamado "Lei da Memória Histórica", que pretende fazer, 70 anos depois do início da Guerra Civil de 1936-39 e 20 anos depois da transição pró-franquista, a revisão de todo esse processo.

O grande êxito da transição espanhola foi: pôr um ponto final, com uma amnistia cruzada, às sequelas de um conflito que matou mais de meio milhão de pessoas e que envolveu, política e emocionalmente, gerações de espanhóis e europeus durante meio século. Isto foi entendido e interiorizado pela maioria da população, mas há - lá como cá - a par de uma esquerda normal, civilizada, decente, uma esquerda revanchista, vingativa, arrogante, que quer reescrever a História e mudar o passado.

Quem teve a culpa da Guerra Civil? Quem quebrou a legalidade democrática depois das eleições de Fevereiro de 1936, ganhas pela Frente Popular? Muito antes dos militares se revoltarem, anarquistas e esquerdistas tinham queimado igrejas, assassinado opositores políticos, ocupado propriedades e desencadeado uma "guerra de classes" violentíssima por toda a Espanha. Quem começou? Quem provocou ou quem respondeu à provocação?

Sobretudo tal não importa. Mexer no passado, deste modo, não só é faccioso e injusto, como é estúpido

quarta-feira, dezembro 13, 2006

"Bons" Democratas


A propósito de democratas conservadores no Congresso dos EUA: Brad Ellsworth de Indiana, também membro proeminente da NRA (National Rifle Association); Mike Weaver do Kentucky, militante pró-Vida; Heath Shuler da Carolina do Norte, que se declara "pro-business, "pro-life and pro-guns"; e Jim Webb da Virginia.

"Antifascista" mal (in)formado
No Público de há dias o Sr. António Vilarigues, numa acalorada diatribe "antifascista", a propósito do "Museu Salazar" a criar em Santa Comba Dão, perguntava o que seria se a Itália fizesse um "museu" a Mussolini? Já fez. Em Pedrappio, terra natal do Duce existe um conjunto memorial que todos os anos atrai milhares de visitantes, à procura de memorabilia, como estas...

Aborto
Jacinto Lucas Pires, desenvolveu no DN, um ponto interessante sobre a liberalização do aborto.
De certo modo, o nascituro concebido é o ser mais fraco, mais débil, menos protegido de toda a comunidade. Nesse sentido, a esquerda, tão empenhada em causas de protecção dos débeis - economicamente, socialmente, politicamente e até hoje em causas como os "direitos dos animais" - devia atentar na lógica, egoísta, mercantilista, que está subjacente a privilégios, a comodidade, a egoísmo ou a leviandade de uma mulher que, hoje, e depois da pílula do dia seguinte, só fica à espera de bébé se quer, contra uma vida em gestação.
Só que há aqui duas esquerdas "ideais" em conflito e a esquerda (real) pró-aborto, dos "direitos das mulheres" é uma "esquerda velha" "soixante-huitarde", de nostálgicos já que querem repetir e fazer aprovar, com quarenta anos de atraso, uma agenda feminista sem sentido. Era como queimar sutiãs, fumar e dizer palavrões e exaltar as comunidades hippies californianas. E é, sobretudo, uma esquerda hedonista, sibarita que maximaliza os prazeres e o "querer individual" não recuando perante nada. Daí a lógica pró-abortista em que entraram.

Número 62



Está no prelo mais um número de Futuro Presente, o número 62, cuja capa e sumário aqui podem ver em ante-estreia. Sabemos entretanto que vários assinantes não receberam o nº 61. Foram entregues nos Correios e não recebemos nenhuma devolução. Não sabemos o que se passou, mas estamos a providenciar uma nova entrega. Queremos avisar também os nossos assinantes, leitores e correspondentes que vamos deixar de usar o endereço electrónico do Portugal mail. Agradecemos a todos que, para já, se dirijam, se o quiserem fazer electronicamente, aqui ao blog ou ao endereço que consta na revista: catarina.franco@lxmedia.com. Por carta, o endereço é – até nova ordem -Rua do Corpo Santo, 16 – 3º , 1200-130 Lisboa;o telefone é 213224180 ou, para assinaturas e outras questões de expediente, 217167386.

Mais lidos

Lista de obras sobre o Médio Oriente no "top ten"de The New Republic:

1. Palestine: Peace Not Apartheid by Jimmy Carter
2. The Prince of the Marshes: And Other Occupational Hazards of a Year in Iraq by Rory Stewart
3. Istanbul: Memories and the City by Orhan Pamuk
4. Seven Pillars of Wisdom: A Triumph by T E Lawrence
5. Because They Hate: A Survivor of Islamic Terror Warns America by Brigitte Gabriel
6. Reading Lolita in Tehran: A Memoir in Books by Azar Nafisi
7. Between Two Worlds: Escape from Tyranny: Growing Up in the Shadow of Saddam by Zainab Salbist
8. The Lemon Tree: An Arab, a Jew, and the Heart of the Middle East by Sandy Tolan
9. Guests of the Ayatollah: The First Battle in America's War with Militant Islam by Mark Bowden
10. Mirrors of the Unseen: Journeys in Iran by Jason Elliot

terça-feira, dezembro 12, 2006

Diário de Paris

Confesso que tenho sempre o maior dos gostos em ler os livros do Embaixador Marcello Duarte Mathias. Primeiro pelo bem que o autor escreve, depois pelo interesse dos mesmos e pela leitura sempre agradável que proporcionam. Podíamos falar de diversas das suas obras como O Último Lance, viajando por várias capitais europeias, em torno do jogo de xadrez, ou o Diário da Índia, relativo aos anos de 1993 a 1997, ou ainda o fantástico A Memória dos Outros, carregado de reflexões sobre diversos autores e personalidades estrangeiras. Todos, livros que recomendamos facilmente e que se lêem quase sem parar, de uma ponta à outra, tal a cadência que impõem e a curiosidade que despertam.

Agora, o autor volta à carga com o recentíssimo Diário de Paris, 2001-2003, também ele marcado pela variedade dos temas sobre que se debruça, por gostos e paisagens pessoais e por reflexões sempre marcadas pela originalidade. Contudo, este livro é também caracterizado por Paris ter sido o cenário onde travou porventura a mais difícil das batalhas, desta feita contra a doença. É um assunto que não evita e de que nos fala com grande coragem e serenidade.

Como qualquer obra do Embaixador Marcello Duarte Mathias, é um livro cuja leitura vivamente recomendamos.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Pinochet visto por outros

Algumas opiniões na imprensa norte-americana sobre Pinochet:
"A Spanish joke: a reporter traveled to Spain to learn what people think of Franco. Upon arriving in a village, the reporter asked one man, but the man insisted they walk out into the country. Yet once there, he still hesitated. "Let's go by that lake," he said. When they arrived at the lake, the reporter asked yet again, but the man insisted that they take a row-boat out of the middle of the lake. When they got there and the reporter asked again, the man finally leaned over and whispered, "I like him."

Pinochet's coup d'etat and the murder of Salvador Allende along with 3,000 or more suspected opposition members, were perhaps the worst thing that has ever happened to Chile, just as the Cuban Revolution was the worst thing that ever happened to Cuba.

But there is one vital difference between the two. Once he consolidated power, Pinochet worked hard to protect the bases of a modern progressive democracy. Castro, by contrast, made it his business to ruin those in his country — and now a new generation of Latin American leaders fondly dream of walking in his footsteps.

Pinochet did something else that few dictators ever do: Upon losing by a small margin in a plebiscite that pitted him against the entire spectrum of political opposition, he resigned. The crimes of Pinochet may be unpardonable. But at least he tried to redeem them.We shouldn't be surprised by the number of Chileans who are still thankful for that."
Mario Loyola
—( Mario Loyola is a fellow at the Foundation for Defense of Democracies .)



"In my other life, as a Communist general, I lived under two tyrants who killed and jailed over one million people. Pinnochet saved Chile from becoming another Communist hell. God bless him for that, and may he be forgiven for his later aberrations. Not only in Chile does power corrupt."
Mihai Pacepa
( Lt. General Ion Mihai Pacepa is the highest-ranking intelligence officer ever to have defected from the former Soviet bloc. His book Red Horizons has been republished in 27 countries.)


Otto J. Reich:(ex-National Security Council, in George W. Busch Administration,2001-2004)
"Augusto Pinochet was a tragic figure. Instead of being remembered for saving Chilean democracy from a communist takeover, and starting the country on the longest-lasting economic expansion in Latin America, which he did, he will be remembered mostly for carrying out a brutal campaign of human-rights abuses.

Contrary to revisionist history and mainstream media myths, Pinochet’s military coup against President Salvador Allende was supported by a majority of Chileans, two-thirds of whom had voted against Allende in the 1970 election. The three-way electoral tie had been decided by the Chilean Congress in favor of Allende. By 1973, however, Chileans were demonstrating in the streets against shortages, inflation and unemployment brought about by Allende’s failed socialist policies.

Facing widespread opposition to his rule, Allende secretly prepared a “self-coup,” with the help of Fidel Castro, who surreptitiously sent large quantities of weapons to arm Allende’s minority of supporters. Army Commander Pinochet beat Allende to the coup, which was justified by the Allende-Castro plans. What was not justified was the bloodbath which followed, when Allende supporters and innocents alike were summarily executed, imprisoned and tortured, including loyal military officers who disagreed with the coup.

Today, thanks to the KGB files smuggled out of Russia by Vasily Mitrokhin, we know that Allende was receiving payments from the KGB. There is no doubt that if he had succeeded in his plans, Chile today would be an impoverished Communist prison like Cuba, instead of a shining example of democracy and prosperity. With some compassion and self-discipline, Pinochet could
have been remembered as a liberator and not a despot. He was both."

Soljenitsine aos 88 anos


Alexandre Soljenitsine foi dado por morto há mais de um ano pela revista britânica Prospect (Outubro 2005) como tivemos ocasião de fazer notar no número 61 de Futuro Presente (Mortos ou Vivos, "O mundo de Chomsky", introdução, p. 54). Era, como dizíamos, um ligeiro exagero. Estava vivo nessa altura – e continua vivo: faz hoje 88 anos.
Teve a sorte – como ele próprio diz numa entrevista recente – de ser enviado para o Gulag em 1945, com menos de trinta anos. "Abriu-me um campo de visão claro e o mais amplo possível sobre tudo o que se designava por bolchevismo, comunismo soviético e, mais profundamente, mergulhou-me nos fundamentos da nossa existência". (A cadeia às vezes é o caminho de uma liberdade superior – ideia que Soljenitsine partilha com o seu compatriota e também veterano das prisões russas Dostoievski; é o tema de um grande filme do cineasta francês Robert Bresson, Pickpocket, retomado por outro cineasta "metafísico", o norte-americano Paul Shrader, em American Gigolo; Schrader é também autor de um famoso ensaio sobre Transcendental Style in Film: Ozu, Bresson, Dreyer).
O autor de Um dia na vida de Ivan Denisovich, O Primeiro Círculo, O Pavilhão dos Cancerosos ou, claro, O Arquipélago do Gulag, tem no seu activo uma gigantesca história romanceada da Rússia no século XX. Foi entrevistado recentemente pela revista alemã Cicero, uma entrevista publicada depois por Le Figaro numa versão francesa que mão amiga e caridosa nos fez chegar.
Nessa entrevista - que citámos acima – Soljenitsine fala da queda do comunismo. O entrevistador diz-lhe: "O senhor é a prova viva de que um homem isolado pode influenciar o destino e de que a literatura pode igualmente ter influência. Tem todas as razões para estar satisfeito com o que conseguiu", ao que Soljenitsin responde: "A ditadura comunista merece uma oposição absoluta. No entanto, pedi repetidas vezes às potências ocidentais que não identificassem o comunismo soviético com a Rússia e a história russa. Infelizmente muitas potências ocidentais não marcaram essa diferença e a política dos dirigentes ocidentais, mesmo depois da queda da ditadura soviética, não se mostrou muito menos dura em relação à Rússia. Isso é uma grande decepção. Mas nos anos 90 aconteceram coisas ainda mais graves. Ao mesmo tempo que o país se tentava restabelecer em todos os aspectos (morais, económicos) triunfaram rapidamente forças obscuras, bandidos sem fé nem lei, que enriqueceram pela pilhagem nunca contrariada dos bens nacionais e implantaram na sociedade o cinismo e a corrupção moral. Foi uma catástrofe para a Rússia. Sofri muito com essas mudanças – como falar de ‘satisfação’?"
Homem de Fé e de Tradição que nunca se rendeu ao novo-riquismo democrático e "capitalista", partidário de uma democracia "orgânica" com base nas administrações locais, inimigo da "partidocracia" – Soljenitsine não é hoje muito ouvido – a Leste ou a Oeste. Mas merece ser lembrado.

O relatório Al-Hakim e a partilha do Iraque

"President Bush has finally heard some realistic, even brutal, ideas about finding a path out of Iraq that he should seriously consider. Then he can move on to decode the less-useful suggestions that came from the strategically flawed Iraq Study Group.

A visit to the White House by Abdul Aziz al-Hakim, the single most powerful Shiite political leader in Iraq, last Monday was quickly eclipsed by the manufactured drama of the release of the policy study headed by Jim Baker and Lee Hamilton on Wednesday.

Their recommendations were a mixed bag of good intentions (Mr. Hamilton's strength) and profound, manipulative cynicism (a Baker talent). The report's value lies not in what it says about Iraq, and certainly not in the insincere scheme the group hatched -- without seriously consulting Israel -- to have Israel hand the Golan Heights back to Syria as part of an American-led New Diplomatic Offensive. The report's value lies in recommendations on reorganizing the Pentagon, the State Department and Congress.

But on Iraq, the study group repeats the error that this administration has made since overthrowing Saddam Hussein. That is to refuse to anticipate and then accept the consequences of U.S. actions. Having empowered the formerly persecuted Shiite majority in Iraq through regime change, President Bush repeatedly has found its exercise of power suspect or unacceptable, primarily because of Shiite links to Iran. The struggle in Iraq is now the center of a broader civil war within Islam that pits Shiites against Sunnis and moderates against extremists. American actions are not designed to give one religious group advantage over another. But they inevitably do, and inevitably are judged in that light by the Iraqis and their neighbors. Mr. al-Hakim's view goes like this: U.S. forces and the feeble central government do too little to protect Shiites. We can do that job ourselves if U.S. troops get out of the way. That will clear the way for U.S. withdrawals and the informal division of Iraq into three distinct autonomous regions. That is the only acceptable alternative to a strong central government controlled by the Shiites, which may no longer be in reach. British commanders have reported that Mr. al-Hakim's Shiite party has completed a gradual takeover of Iraq's south. That leaves British forces with little ability to influence events -- or reason to stay on for much longer in large numbers -- the commanders add pointedly.

Mr. al-Hakim has patiently watched as his Shiite rivals in Prime Minister Nouri al-Maliki's Dawa Party and in Moqtada al-Sadr's organization have been chewed up in the meat grinder of Baghdad's barbaric sectarian conflicts, rampant corruption and U.S. inconsistency. Mr. al-Hakim gave the impression in Washington of a man riding a wave carrying him inexorably toward where he wants to go."

Jim Hoagland, The Washington Post, 11-12-2006

domingo, dezembro 10, 2006

Em memória de Jeane Kirkpatrick (1926-2006)

Conhecia-a em Londres, em 1984 - "ano Orwell" - exactamente numa conferência organizada no âmbito desse "Ano Orwell" e que procurava juntar intelectuais e académicos euroamericanos "anticomunistas" e representantes de movimentos de resistência em todos os países ocupados ou governados por regimes comunistas. Jeane Kirkpatrick, então Embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas, presidiu a esse encontro, parte das múltiplas iniciativas, na época, da II Guerra Fria, que levaria à Queda Final do Comunismo.
Kirkpatrick vinha do núcleo dos então neo-conservadores, que eram antigos democratas à direita da Guerra Fria. Foi ela, aliás, a autora da Doutrina "homóloga", a "doutrina Kirkpatrick", que fazia a distinção entre "regimes totalitários" e "regimes autoritários", os primeiros os regimes comunistas, sem liberdades políticas, nem civis, nem religiosas; os segundos regimes sem liberdades políticas, mas com liberdades religiosas, económicas e civis; Kirkpatrick achava que estes regimes não deviam ser combatidos pelos Estados Unidos, antes aceites e usados como Aliados, sobretudo quando eram aliados do Ocidente, contra o comunismo. Ou seja, em vez de subverterem pela força os regimes aliados ela sustentava que deviam respeitar diferenças.
Encontrei-a depois outras vezes, em Washigton; era uma mulher interessante, intelectualmente sólida, elegante na sua versão académica, com uma voz dominante. Uma académica na política, sem trair o pensamento e a razão nas vertigens da oportunidade, mas também 100% realista, sem devaneios nem retóricas do politicamente correcto. Que diferença dos "neo-conservadores" de hoje... Ou de ontem, porque de resposta desapareceram.

Fitas e Franjas

A RTP1 deu há dois ou três dias o último filme de Mark Robson, Avalanche Express, um medíocre thriller de 1978 rotineiramente anti-comunista (um vago eco do Expresso de Von Ryan, um filme um tanto mais glamoroso realizado dez anos antes pelo mesmo Mark Robson). Foi também o último filme de Robert Shaw, o caçador de tubarões - o Ahab - de Tubarão (Jaws, de Steven Spielberg), o assassino de From Russia with Love (Robert Shaw contra Sean Connery) e, mais notavelmente, o Henrique VIII de Um homem para todas as estações (A Man for All Seasons, de Robert Bolt e Fred Zinneman: "o elogio da razão", foi o título que Manuel Gama pôs à sua memorável crítica no Tempo Presente deste filme sobre Tomás More). Avalanche Express tem a distinção de se contar entre os poucos filmes que a bíblia dos cinéfilos de trazer por casa, o guia de filmes de Leonard Maltin publicado todos os anos, classifica como BOMB na sua inescrutável sabedoria. Não é grande coisa, de facto. Nem Mark Robson um realizador mais do que muito menor do pós-guerra: "o mais superficial de todos os talentos que saíram do círculo de Orson Welles", nas palavras de David Thomson (A Biographical Dictionary of Film, primeira edição). Mark Robson realizou também o último filme de Humphrey Bogart, The Harder They Fall, (Mais dura será a queda) de 1956.

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Nostalgias 28: nostalgia do tempo dos heróis...

quinta-feira, dezembro 07, 2006

O 25 de Novembro - Thermidor Português (3)

A reacção do Norte

O voluntarismo das bases comunistas e da extrema-esquerda foi arrastando e agravando a situação, perante a cumplicidade ou ausência do poder. A reacção veio da área do país, geográfica e social, que sempre, desde o século XIX, foi o núcleo duro da reacção nacional-conservadora - o Litoral a Norte do Tejo e as Beiras. Começou em Braga, com o discreto apoio, senão mesmo encorajamento do Arcebispo, D.Francisco Maria da Silva. Traduziu-se nos assaltos, em alguns casos com destruição, às sedes do PC e marcou rapidamente um contrapeso ao poder comunista, durante o "verão quente" de 1975.

A lógica do sistema levou à contestação do terrorismo de esquerda, a partir do Portugal rural do Norte e do Centro; a lógica era de uma bipolarização, mais ou menos radical, com os movimentos clandestinos, MDLP e ELP, mitificados, bem como as redes discretas activistas, tendendo para uma reviravolta à Weimar. Cunhal e o Partido Comunista, a nível de direcção central, aperceberam-se da gravidade da situação para a "esquerda unida" - ou seja que só "desnunida" "jamais seria vencida". Na prática anteciparam para a esquerda a glosa do Eduardo, na Sexta Coluna... Os "Nove" também perceberam, a nível militar, que os conservadores tinham recuperado terreno e que a bipolarização esquerda-direita levaria à derrota do bloco PC-Extrema esquerda e que eles e o próprio PS deixariam de sobreviver como charneira, passando a esquerda sobrevivente.


Este Thermidor português foi muito semelhante ao francês, com a diferença de que os thermidorianos - Grupo do Nove, PS, Costa Gomes - recorreram a uma aliança com os militares conservadores. E não só não pagaram nada por isso, como foram capazes de equilibrar o sistema (o "seu" sistema) ao conseguir Melo Antunes que o Partido Comunista não fosse sancionado. As forças conservadoras populares também não souberam explorar o sucesso, pois não fizeram o que os comunistas tinham feito, a seguir à revolução, com as ocupações, fora da lei, de empresas e de propriedades. Por isso a mudança do sistema foi adiada e só começou em 1985, depois do fim da hegemonia eleitoral da esquerda e do CR.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

O 25 de Novembro (2) - Thermidor Português

O modelo de Brinton - Antigo Regime, Tempo dos Moderados, Terror, Thermidor - pode, a partir da sua original versão "francesa", ser estendido a outras revoluções. Estas revoluções, no livro de Brinton, The Anatomy of Revolution, eram a Revolução Inglesa do século XVII, a Revolução Americana do século XVIII e a Revolução Soviética do século XX. Em todas elas, Brinton identificou estes momentos: o Antigo Regime, os Moderados, o Terror e o Thermidor; na Revolução Inglesa eram os Stuarts, o Parlamento, os Diggers, os Levellers, o interregno pós-Cromwell e outra vez a Restauração. A Revolução Americana é problemática, pois essencialmente foi mais uma Guerra de Independência, uma guerra de criação da comunidade nacional, que uma guerra política ou social. Quanto à Revolução Soviética era fácil identificar o Antigo Regime com o Czar, o Tempo dos Moderados, com Kerensky, o Terror dos bolcheviques e da guerra civil com Lenine e Trotsky. Mas Brinton identificou o Thermidor com a chegada ao poder de Estaline, com a estabilização.

Thermidor como compromisso
Poderíamos aplicar este modelo a Weimar, com a queda da Monarquia, o levantamento dos spartakistas e o terror comunista na Baviera e a intervenção do Exército e dos Corpos Francos, aliados aos Socialistas, para reprimir a revolução esquerdista. Que seria o Thermidor alemão, a República de Weimar até 1933. Este é um modelo aplicável a todos os movimentos "revolucionários" de alta instabilidade social.

Às vezes Thermidor é, como em França, uma paragem a meio da Revolução e Contra-revolução, um compromisso de forças contraditórias. Outras vezes, como na Revolução Russa, a estabilidade do processo é conseguida pela facção maioritária e autoritária da Revolução, que não volta para trás, simplesmente estabiliza o Terror como forma normal do Estado. É a URSS com Estaline.

O modelo de Brinton aplica-se à Revolução Portuguesa de 1974-75, ou PREC. E o 25 de Novembro é o Thermidor português, se compreendermos bem qual foi o seu significado. Expliquemos melhor: o "Antigo Regime", o marcelismo ou "salazarismo tardio", amadureceu até chegar à auto-liquidação, ocorrida em 1974, como sentido de uma longa decadência e apagamento. O rapidíssimo tempo da Primavera-Verão de 1974 foi o nosso tempo dos Moderados; em Inglaterra, foi o Long Parliament, em França a Assembleia Nacional, na Rússia, foi Kerensky até Outubro. Aqui foi a Junta de Salvação Nacional, Spínola, o PS inventado a partir da Alemanha com o grosso da oposição "republicana", o PPD a partir da "ala liberal". E acabou com Palma Carlos, recusando assinar a "via verde" para a Descolonização, referendada pela meioria dos Conselheiros de Estado, inclusive por Azeredo Perdigão e Diogo Freitas do Amaral, e a nomeação de Vasco Gonçalves para PM. E o 28 de Setembro, quando os comunistas anteciparam a jogada, apostando na força, prenderam os seus principais inimigos, que não foram - as coisas eram sérias - os partidários da "sociedade civil". A gente operacional de direita teve os nomes nas listas dos "proscritos", passadas pelo COPCON, pelo "nescio" Otelo (perguntaram-me, a sério, porque lhe chamei "néscio" e não cretino, idiota, imbecil, básico, burro e coisas piores. Achei "néscio" no sentido de "ignorante" e de "ignorante que se ignora" e não percebe, nem os actos nem as consequências, apropriado por descritivo da criatura em questão). Aí no 28 de Setembro de 1974, começou o terror português, um terror em país de "brandos costumes": tivemos um "terror" moderado, com milhares de incidentes - prisões sem culpa formada, despedimentos, saneamentos, ocupações, nacionalizações - mas poucas vítimas mortais. Que foram sobretudo de além-mar...

Real Panteão dos Bragança

A Antília Editora acaba de publicar a obra de Paulo Dias, Real Panteão dos Bragança - Arte e Memória, que tem por base a sua tese de dissertação de Mestrado na faculdade de Letras de Lisboa. Neste seu livro, o autor debruça-se sobre as exéquias e pompas fúnebres dos Princípes e Infantes da Casa de Bragança, com um límite cronológico que vai de 1656 a 1951, datas que assinalam respectivamente os anos da morte de D. João VI, fundador da Dinastia brigantina, e de D. Amélia, último membro da Família Real recebido no Panteão. Trata-se de uma obra que inclui ainda numerosas fotografias e que é acompanhada por uma carta de S.A.R. o Duque de Bragança.

Estamos perante um livro importante e de grande interesse, que vem dar mais um contributo para o nosso conhecimento da saudosa Monarquia Portuguesa.

Faz cem anos que nasceu Robert E. Howard


Ainda estamos no ano em que passa o centenário de Robert E. Howard. Natural de Cross Plains, no Texas - onde foi recuperada e transformada em Museu a casa em que nasceu - Howard (1906-1936) morreu aos 30 anos mas deixou uma extensíssima produção literária. Há quem lhe atribua a invenção do género conhecido por sword and sorcery - e uma das suas obras mais conhecidas é a história de Conan, o Bárbaro, que foi levada ao cinema num filme dirigido por Richard Fleischer, a que já fizémos referência. Foi amigo e correspondente de outro "mestre do fantástico", o H.P. Lovecraft de quem tanto se fala outra vez (a Library of America acaba de publicar uma antologia de contos dele; por curiosidade, em Portugal, a colecção policial Vampiro publicou um dos seus romances - The case of Charles Dexter Ward - com o título não disparatado de Os mortos podem voltar - e o hoje célebre Michel Houellebecq iniciou a sua carreira literária em livro com um ensaio sobre Lovecraft). Voltaremos - como costumamos dizer - ao assunto: estamos a preparar um número da revista dedicado à "literatura".

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Pierre Boulle, a ponte sobre o rio Kwai e o resto

Pierre Boulle é o que têm em comum A Ponte do Rio Kwai e O Planeta dos Macacos. Engenheiro, combatente na Segunda Guerra Mundial, escritor, natural de Avignon e conhecedor de remotas paragens asiáticas, foi o autor dos dois livros que Hollywood transformou naqueles dois êxitos cinematográficos - um aqui lembrado outro dia, um dos grandes filmes do realizador inglês David Lean - o segundo recentemente "refeito" (sem grande vantagem) e cuja primeira versão se multiplicara depois em várias sequelas. Acabo de reler outro dos livros de Pierre Boulle, Un métier de seigneur, uma história de orgulho e traição. Não é um grande romance mas é uma grande história bem contada. É uma variação, vale a pena, talvez, acrescentar, do riquíssimo tema do falsário de quem a falsificação se apodera: como no Kagemusha (A sombra do guerreiro) de Kurosawa ou Il Generale della Rovere, o filme de Rossellini interpretado por Vittorio de Sica. Mais um autor e uma obra de que prometemos falar na revista.

4-12-1980: Morte e legado de Francisco Sá Carneiro

No dia 4 de Dezembro de 1980, viajei para Washington para uma reunião do "Cercle", no Hotel Madison. Ao chegar, o Alfredo Sanchez-Bella (grande amigo, já falecido) gritou-me muito alarmado: "Ha muerto Carneiro!". Fiquei sem saber, se Sá Carneiro, se Soares Carneiro, o candidato da AD às presidenciais.

Era o fim de tarde em Washington, noite alta em Lisboa. Falámos para Lisboa compreender e saber os pormenores. Era verdade, morrera Francisco Sá Carneiro mas não se sabiam detalhes...

A morte de Sá Carneiro, as circunstâncias, o enigma, as razões, as complicações subsequentes iam trazê-lo para uma zona de mistério de um chefe político que desaparece jovem, a meio da carreira. Entrava, assim, na mitologia da revolução e da refundação do regime, com este a sair do PREC. Tornava-se também um centro de culto, com os barões do PSD a reclamar-se do "seu legado", a enaltecerem o seu "pensamento" e a quererem alicerçar a própria "legitimidade" na continuidade e reflexo da obra do fundador do Partido. O que durou até ao despontar do "novo sol", com Cavaco Silva. Embora a alguns destes requisitos não fosse fácil dar seguimento substancial, por exemplo ao "pensamento político", pois Sá Carneiro, como quase todos os políticos partidários envolvidos na acção, não deixou escritos teóricos de profundidade.

Na verdade, dos quatro pais-fundadores políticos da III República - Cunhal, Sá Carneiro, Soares e Freitas do Amaral - os dois primeiros entraram nesse universo mítico, onde o negativo se vai esbatendo e a devoção perdura. Cunhal ficou assim, para a Esquerda portuguesa, quando morreu, sem esquecer, sem renegar, sem mudar, sem perdoar, inabalável num mundo que se transformava à sua volta. Como Salazar, para a Direita.
Sá Carneiro também se fixou miticamente, quando morreu, naquilo que se vai ficar a discutir se foi um acidente estúpido "à portuguesa", causada por faltas de manutenção e cuidados técnicos, ou um tenebroso atentado. Que seria para alguns, contra Adelino Amaro da Costa, que ia accionar a investigação sobre os "fundos secretos" militares para o Ultramar, um "dossier" misterioso que parece ainda dormir nos arquivos do MDN.

A mitificação destes personagens - comparada com a (des)mistificação dos sobreviventes -é interessante. E vale a pena reflectir sobre a sua natureza e consequências, neste momento em que o PSD anda a (re)definir-se ideologicamente e a pressão dos politicamente correctos vai no sentido de empurrá-lo para ultrapassar "pela esquerda" o PS. Será que "o legado" ideológico de Sá Carneiro ainda conta? E em que sentido?

domingo, dezembro 03, 2006

Citações 27: Uma reavaliação de Richard Nixon


"Nixon himself is in danger of going down in history as a baddie, the victim of a sulphurous and enduring hatred of the media, especially on the East Coast. In fact his sins were more venial than those of FDR, Kennedy, LBJ or Clinton, and the reason he fell was that he loyally stood by erring subordinates rather than drop them. Nixon was an old-fashioned patriot and preferred to resign rather than subject his country to the drama of impeachment: had he defended himself he would almost certainly have survived, like Clinton. His determination to end, if possible, the quarter-century of Cold War with China was a statesmanlike decision of the first magnitude, and the energy and persistence with which he pursued it were the hallmarks of a great president."

Paul Johnson, Literary Review, November 2006, pag.4