quinta-feira, maio 31, 2007

CARTA DE WASHINGTON

O Jaime falou há não muito tempo de Washington. Contudo, também para mim, continua uma cidade fascinante que é sempre agradável visitar. O Mall com os seus monumentos e vistas soberbas; os museus da Smithsonian, para onde está prevista a abertura, em breve, de uma grande exposição sobre o contacto de culturas promovido pelos portugueses e sobre a forma como esses outros povos nos vêem; alguns museus particularmente originais, como o dedicado ao índio americano; outro extraordinário sobre arte oriental (infelizmente, o de História americana estava fechado para obras); o Potomac, com as suas águas alimentando a Tidal Basin rodeada das cerejeiras oferecidas pelo governo do Japão; a encantadora Georgetown, ou ainda os arredores, com destaque para a Old Town de Alexandria, embora aqui seja de destacar não apenas o restauro perfeito das casas e ruas tradicionais, mas também o avanço inexorável do turismo de massas, com o correspondente aumento brutal de restaurantes e lojas de souvenirs.

Mas Washington é também o comércio nas ruas do centro (o dólar está barato). Antes de mais (claro!) as livrarias, sobretudo a Barnes & Noble de Georgetown, onde nos abastecemos das revistas conservadoras que não conseguimos encontrar em mais lado nenhum. Também as novidades e as excelentes promoções. Local que nunca fica por visitar!

Outra característica importante da capital norte-americana é a profusão de raças e culturas. Estatísticas recentes anunciavam que a sua população negra representa 58% do total. A comunidade chinesa praticamente duplicou e a hispânica está também em rápida ascensão. Os restantes, lá vão diminuindo alegremente, por entre abortos e sonhos de riqueza material.

quarta-feira, maio 30, 2007

NOSTALGIAS TÉCNICO-MILITARES:TANQUES

CARTA DE TUNIS

Tunis, e a Tunísia em geral, continua a ser um exemplo de estabilidade no mundo muçulmano, com uma sociedade que dá ainda bons sinais de modernidade, de tolerância e de respeito por alguns valores que são também comuns ao Ocidente. As obras públicas continuam a bom ritmo, o turismo não parece ter sido grandemente afectado pelas convulsões do mundo, o país investe na saúde e na educação e o ambiente geral é de aparente normalidade.

Contudo, apesar deste quadro positivo, vemos igualmente alguns sinais preocupantes: aumenta o desemprego, com uma incidência bastante grande no universo dos jovens acabados de sair das universidades e que vêem goradas as suas expectativas de melhoria de vida; a imigração ilegal com origem na África subsaariana não pára de crescer; há sinais de que as células terroristas estão a organizar-se e a estabelecer redes com células de países vizinhos e o fundamentalismo, devagar, vai ganhando força.

É necessário, é urgente, que a Europa olhe para estes países e desperte para a necessidade de os ajudar em todos os domínios. É que a segurança das duas margens do Mediterrâneo está profundamente interligada.

segunda-feira, maio 28, 2007

OS INTELECTUAIS DE MUSSOLINI

Acaba de me chegar a edição em paperback de um dos mais recentes livros de A. James Gregor, Mussolini's Intelectuals, publicado pela editora da Universidade de Princeton. Gregor é um dos raros especialistas anglo-saxónicos do Fascismo Italiano, que estuda há várias décadas, e tem nesta matéria uma obra já longa e notável. "Os intelectuais de Mussolini" - como se escreve na apresentação desta obra - vem contrariar a ideia convencional de que o Fascismo foi "irracional e anti-intelectual, encontrando expressão exclusivamente num agregado de mitos, emoções, instintos e ódios". "Há certamente lugar para este livro - escreve o próprio autor na Introdução - ao lado de todas os volumes dedicados às lucubrações de intelectuais soviéticos, chineses, alemães de leste, norte-coreanos ou albaneses em defesa das respectivas ditaduras marxistas-leninistas. A sua tese é a de que os intelectuais fascistas produziram, em defesa da sua ditadura, obras não menos competentes. Se é assim, devo, no entanto, esclarecer desde já que não considero o Fascismo nem o Marxismo especialmente plausíveis. e que certamente não recomendo que abracemos um ou outro. Recomendo apenas que os compreendamos." Voltaremos a este livro, importante para quem queira discutir seriamente o Fascismo e o "fascismo" - e não simplesmente usar um termo que perdeu "qualquer conteúdo cognitivo" e que "apenas é empregue para denegrir e difamar".

PORTUGAL CONTEMPORÂNEO: SIM E NÃO

Vasco Pulido Valente voltou esta semana ao caso do Professor Fernando Charrua, que toda a gente já deve conhecer (o professor suspenso e objecto de um processo disciplinar por supostas injúrias ao Primeiro Ministro).
Na primeira crónica que dedicou ao assunto, explicava que "Para quem não saiba, isto não sucedia durante a própria Ditadura, que nunca perseguiu ninguém por um "comentário jocoso" sobre Salazar (ou, por maioria de razão, sobre Caetano). Tanto quanto me lembro, o 'culto da personalidade' não chegava ao extremo absurdo a que chegou hoje". Lembra bem e para o confirmar basta rever, por exemplo, a "Canção de Lisboa" - que era um filme exibido nos cinemas e não um comentário feito em privado - e reparar nas várias piadas que lá estão sobre o "Estado Novo", etc.
Mas a memória já atraiçoa o nosso historiador quanto a episódios mais recentes. Todos nós sabemos, também, que não é verdade que Fernando Charrua seja "o primeiro português condenado por um crime político depois do '25 de Abril' " nem mesmo "se quiserem, do 25 de Novembro".

domingo, maio 27, 2007

RETRATO VENEZUELANO

Darkness

by Dorothy J. Kronick
Only at TNR Online Post date 05.24.07






This month, the government of Venezuela will carry out the state takeover of major companies in the electricity, telecommunications, and petroleum industries. Hugo Chávez has promoted these measures as part of an economic program that fights the "kingdom of darkness": neoliberal reforms he claims impoverished Venezuela. "The polarization between rich and poor was created by neoliberal capitalism, not by Hugo Chávez," he said recently. "It was created by 500 years of exploitation, most of all in the twentieth century and the last decade of the twentieth century in the neoliberal phase of capitalism, the most savage phase." His supporters buy this argument, as does much of the international left.

But this presentation distorts Venezuelan history. In fact, the long economic catastrophe that led to Chávez's election in 1998 was created not by market reforms but rather by policies just like those that define Chávez's Bolivarian project. While neoliberal adjustments in Venezuela were problematic, a Chávez-style development model holds primary responsibility for the country's abysmal poverty and inequality.




Venezuela came into its own as a national economy only in the 1910s, when oil companies began drilling on the shores of Lake Maracaibo. In the seven decades that followed, per-capita income grew 900 percent; by 1980 Venezuelans were, on average, as rich as Spaniards. (Per-capita income in the next-best-performing Latin American country barely tripled over the same period.) In the 1970s alone, the economy grew by more than half, and consumption soared: The late José Ignacio Cabrujas, a Venezuelan writer and perhaps the country's most astute social commentator, remembered the 1970s as a time when "New York was a trivial weekend trip, and the middle class boarded the plane home ... with Baby Ruth candy bars and People magazines."

But, between 1980 and the turn of the century, Venezuela suffered the worst economic performance of any country in the region except war-torn Nicaragua. The poverty rate doubled, surpassing 70 percent. Population growth and immigration from neighboring countries brought millions to unprepared cities; vast swaths of brick-and-tin houses spread over the slopes of the Caracas valley. Underemployment became the norm in many of these communities. "Mato tigre," residents say when asked how they earn a living: "I kill tigers." Meaning they do odd jobs--paint houses, fix cars, work a day at a friend's street-side stand.

This disaster occurred principally because the Venezuelan government failed to diversify the oil-centered economy. The economic policy of Carlos Andrés Pérez, who presided over the oil boom in the 1970s, consisted of massive public investment in heavy industry; cheap credits for agriculture and private industry; and anti-poverty measures like price controls, expanded social services, wage hikes, and the creation of public sector jobs. By 1980, oil alone accounted for more than one-third of GDP and more than half of government revenue (and even this is probably a lowball figure: It also had indirect effects like stimulating consumer demand). When the price of oil collapsed in 1982, the Venezuelan economy collapsed with it.

Chávez's economic policy is similarly focused on large-scale government projects in heavy industry, and, like Pérez, he is imposing price controls, expanding social services, providing cheap credits to various sectors, and creating tens of thousands of government jobs (the payroll at the state oil company, just 40,000 when Chávez took office, is expected to reach 90,000 by the end of the year, and overall public employment has increased 40 percent since 2002). In 2006, the Venezuelan government spent about $50 billion, a 70 percent increase over its 2003 expenditure of $30 billion (the economy also grew, so this meant a jump from 27 percent to 35 percent of GDP). Like Pérez's administration, the Chávez government has failed to save money in an oil-stabilization fund.

The centerpiece of Chávez's development program is the "popular economy"--subsidies and credits for thousands of newly formed cooperatives. But, although this funding may be fairer than the subsidies and credits Pérez gave his business-class cronies, it is probably not more likely to create alternative sources of revenue or reduce national dependence on oil money. The National Census of Cooperatives has not yet been published, but preliminary statistics suggest that the majority of registered cooperatives are already inactive. Furthermore, like Pérez, the government has not attempted to structure loans in a way that encourages self-sufficiency.

Meanwhile, for all Chávez's talk about reviving the long-languishing agricultural sector in Venezuela, agricultural production declined 7 percent in 2006, even as food consumption rose 10 percent. While fertile Venezuela was a food exporter throughout the colonial period and the nineteenth century, an overvalued exchange rate in the 1930s destroyed Venezuelan agriculture, and it has never recovered.

It's true that public control of industry is not inherently harmful; many governments have successfully owned and managed natural resources and utilities. The problem is that, in Venezuela, state capacity is notoriously low, and public efforts in the telecommunications, electricity, and oil sectors share an unsuccessful history. In this context, private investment is key, and private investment has fallen over the past three years, stooping to 3 percent of GDP in 2006. Venezuela currently ranks last in several international assessments of competitiveness, investment risk, and business environment. Foreign direct investment plummeted from $1.5 billion in 2005 to negative levels in 2006.

The last oil boom is instructive in the dangers of Chávez's program. In the years following the 1973 boom, liquidity in Venezuela more than doubled, inflation hit double digits, and imports grew frantically but couldn't keep up with the monstrous rise in demand, producing shortages of basic foodstuffs. These short-term outcomes are already visible in Venezuela today: The money supply has doubled in two years, and it is now more than one-third of GDP; inflation hit 17 percent in 2006; imports have increased nearly 100 percent in two years; and there are recurring shortages of sugar, meat, chicken, and other foods. The boom-management policies of the '70s caused a fiscal crisis that impelled a reluctant Venezuelan state to implement two rounds of neoliberal reforms, in 1989 and 1996; at this rate, Chávez may be forced down the same course.

That, of course, would be a bitter irony for Venezuela: Those neoliberal reforms are often blamed for the economic woes that produced massive riots in 1989, two coup attempts in 1992, and eventually the election of Hugo Chávez in 1998. But, while mismanagement of the reform process worsened the short-term costs of the adjustment, the heart of the problem was the underlying economic model, in which there was no sustainable source of government revenue or societal income other than oil.

The 1989 and 1996 reforms attempted to improve the government's fiscal position through privatization, reduction of subsidies, tax hikes, and liberalization of the exchange rate. These were necessary reforms that in fact did begin to produce economic growth and investment outside the oil sector, but they were unpopular because, along with low oil prices and other negative shocks, they contributed to declines in purchasing power. Unlike reforms in other Latin American nations, where the immediate effect of market reforms was to bring down hyperinflation and thereby increase spending power, producing political victories for reformers, the short-term effect of adjustment in Venezuela was the opposite: Spending power declined as a result of devaluation and rising inflation. If the government had done a better job of communicating with the public, explaining the need for reform and the likely outcome, the reaction might have been different, but Pérez--who became president for a second time in 1989--campaigned on the promise of a return to the Gran Venezuela of the '70s and then launched the reform program without any public warning. Furthermore, strong opposition from within the ruling parties hampered the implementation of the reforms and thereby delayed their outcomes.

To be sure, there are significant differences between Chávez's economic policy and Pérez's: Chávez devotes a larger portion of the federal budget to social spending; tax collection has increased under Chávez, while it suffered in the '70s; and, perhaps most importantly, Chávez has kept the national debt profile under control (total debt is about 30 percent of GDP). The government still has nearly $25 billion in international reserves, though this represents a sharp decline from $36 billion at the close of last year.

But these differences are unlikely to save Venezuela from 1980s-style troubles when the price of oil falls--and perhaps before then. While debt accumulation has not yet reached dangerous levels, it has been increasing since January; analysts predict that the government will finish 2007 with a sizable fiscal deficit. Unless the economy generates value outside the oil sector, it is only a matter of time before the government must borrow or cut expenditures (and it is unlikely to do the latter).

José Ignacio Cabrujas wrote that Venezuelans admire myths because they don't understand their own history. "Venezuela has not yet been founded, and neither has its capital Caracas," he said in 1995. "It is a city without vision, without memory, without distinguishing features; it is an encampment." Cabrujas died before Chávez took office, but his observations hold: The strength of the Bolivarian economic model is a myth, admirable only to those without memory.

Dorothy J. Kronick is

PASSEIOS AOS DOMINGOS-NA PRAIA DE VALÊNCIA, COM SOROLLA

Descobri Joaquin Sorolla, anos atrás, num passeio de fim de semana a Valência. Valência foi uma cidade que visitei a partir de um caminho ou rapell, para mim muito significativo-as cidades que vejo do ar. Nos voos para Roma, ou outras rotas do Mediterrâneo, deixa-se a vista da terra firme da Península em Valência; e por lá se volta à vista do Continente. Sorolla é um pintor romântico, magnífico a reproduzir ou inventar a luz do Mediterrâneo e (como eu) vidrado nas praias. Este seu quadro, trouxe-me também uma brusca memória e nostalgia dos Verões da minha infância, passados nas praias do Norte, onde a luz à tarde era assim.Esta é a minha sugestão de passeio de Domingo.

domingo, maio 20, 2007

A REVOLUÇÃO DA INFORMAÇÃO:1968, 2007

"Durante alguns dias - quem dera que não fossem esquecidos mas sim compreendidos - durante alguns dias, mesmo os mais distraídos verificaram por si próprios a função essencialmente subversiva dessa 'informação moderna', imposta como um direito e aclamada como um progresso por todos os partidários conscientes ou inconscientes da Revolução. Não a informação tendenciosa, enganadora, pérfida, que também não falta: mas a informação em si própria, sobretudo a àudio-visual, que é por natureza uma lavagem de cérebro e tende a transformar os seus auditores-espectadores em outros tantos alucinados sem crítica e sem defesa."
*
"Entre mil exemplos de Maio de 1968 vou escolher apenas o mais anodino. Os exemplos anodinos são os mais claros, visto que a paixão, a emoção e a interpretação não interferem com a sua análise e o mecanismo aparece ali em toda a claridade do seu esquema essencial. Vou escolhê-lo no jornalismo impresso e nada menos que em Le Monde de 25 de Maio, 1ª edição, página 4, um título a duas colunas: Incidentes em Lyon, Bordeaux, Caen.

É este portanto o título, entre outros títulos, com o seu lugar na orquestação, reforçando o tom geral e contribuindo para amplificar o movimento.

Eis aqui o respectivo texto:

1 - Quanto a Lyon, cito literalmente: "Não houve incidentes".

2 - Quanto a Bordeaux: tudo se passou nesse dia "sem qualquer confrontação".

3 - Quanto a Caen: "Não houve incidentes".



Visto isto, o leitor exclamará sem dúvida:

'Grandes malandros! Foram apanhados com a mão na massa. Fazem de propósito.'


É um juizo que não deixa de ser merecido. E é bem feito. Mas, na minha opinião, não se trata disso.A escolha do título é um reflexo automático."

*

"Reduzamos o esquema ao seu esqueleto.
Um jornal que saísse com o título: Hoje não houve nada de novo, ninguém o compraria, ninguém o leria. Bastaria ao leitor avulso ver a primeira página no quiosque para saber tudo o que precisava de saber. O assinante nem o abriria. Para atrair o comprador, para chamar a atenção do assinante, um jornal tem que anunciar que Tudo mudou ou É tudo novo. Esta simples necessidade técnica está na raiz do carácter fundamentalmente subversivo daquilo a que chamamos "a informação". Não funciona com um mínimo de realidade psicológica e de eficácia comercial a não ser que funcione no sentido da mudança, da mutação permanente, do espectáculo universal, da revolução. O que é sólido, o que é estável, o que permanece não é matéria de informação."

Jean Madiran - "Après la Révolution de mai 1968", Itinéraires, nº 124, Junho 1968 (Supplément)

"Para ser competente, um jornalista deveria olhar para as coisas como um historiador e minimizar o valor da informação que fornece. (...) Mas perderia certamente o emprego se trivializasse o valor da informação que tem entre mãos. Infelizmente, não só é difícil para o jornalista pensar mais como historiador, é o historiador que cada vez se torna mais parecido com um jornalista."

*
"O problema da informação não é distraír-nos e ser cada vez mais inútil, mas ser tóxica."
Nassim Nicholas Taleb, Fooled by Ramdomness - The Hidden Role of Chance in Life and in the Markets, Penguin Books, 2007 [Texere, 2004]

PASSEIOS AO DOMINGO-PASSEIO PORTUGUÊS-O MONDEGO

Confesso um certo desconhecimento do Portugal profundo, em termos turísticos. À força de ir tanto para fora acabei por passear pouco, cá dentro. Para equilibrar essas ausências proponho uma subida do Mondego,desde a(Figueira da) Foz , até Viseu. Não vai desiludir com certeza.

sábado, maio 19, 2007

SERENDIPITY

Relê-se em diagonal Farewell, My Lovely, de Raymond Chandler para confirmar ou infirmar uma referência alheia - e repara-se numa expressão pitoresca e esquecida:"Harlem sunsets". Percebe-se que não é de esperar nada de bom para quem é sujeito a esse "pôr do sol de Harlem", mas será uma expressão idiomática, mais uma invenção de Chandler? Meia dúzia de horas depois, folheia-se preguiçosamente um dicionário de calão (Gangster Speak - A Dictionary of Criminal and Sexual Slang, James Morton, Virgin Books, 2002) e lá está, a saltar da página aberta ao acaso: Harlem sunset - facada mortal [Harlem sunset (US) - fatal knife wound]. É um exemplo menor de serendipity, no meu entendimento da palavra. Serendipity é um termo que recentemente tem começado a aparecer aqui e ali nos jornais portugueses, normalmente na boca de cientistas. Diz a Wikipedia que a palavra foi criada no século XVIII pelo escritor inglês Horace Walpole. Origem: um conto tradicional persa (persa!) - "Os três príncipes de Serendip" - como explica o próprio inventor, numa carta que a Wikipedia cita, com a transcrição do trecho relevante. Walpole achava que era uma boa maneira de exprimir sucintamente aquilo que designa por "sagacidade acidental". O termo foi adoptado e serve, como queria Walpole, para designar "a descoberta acidental de alguma coisa agradável, valiosa ou útil" (Encarta). Para mim, há um elemento de inefável "coincidência" associado ao termo. É pela possibilidade - para não dizer probabilidade - dessa "sagacidade acidental" que ultimamente alguns especialistas em "organização" consideram mais "produtivas" as mesas desarrumadas do que a mesa vazia de papeis e os ficheiros perfeita e imediatamente arrumados que outros manuais enaltecem.

sexta-feira, maio 18, 2007

A LIÇÃO DA CHECOSLOVÁQUIA (LEMBRANÇA DO CONDE DE FOXÁ)

Resulta que Agustín de Foxá, reparo agora, morreu no mesmo ano (1959) que o Raymond Chandler aqui evocado há pouco tempo. Esplêndido escritor, príncipe das letras espanholas modernas, tinha nascido em 1906. Viveu quase exactamente a primeira metade do século passado. Onde é que tínhamos a cabeça? Deixámos passar em branco o centenário do seu nascimento. Foxá, autor da letra do Cara al Sol (juvenil hino da Falange), diplomata, poeta, romancista de um único romance - o inolvidável Madrid de Corte a Checa - jornalista, dramaturgo, homem de sociedade, falso personagem verdadeiro do Kapput de Curzio Malaparte (outro genial aventureiro literário) foi uma figura novelesca que ainda habitava Madrid e cujas anedotas ouvi muitas vezes contar nos anos em que lá vivi pela primeira vez. Faz juz a uma evocação mais completa, que talvez consigamos incluir num dos nossos próximos números. Para já, deixamos aqui a tradução de algumas passagens de um texto não publicado na altura em que o escreveu mas incluído nas Obras Completas que a Prensa Española editou nos anos 60 e 70. Tinha por título "Checoslovaquia, Nación Artificial" e, além dos seus méritos literários, tem alguma pertinência quando se discutem outras "construções" mais próximas de nós e bem nossas conhecidas.

"Já se disse que a Checoslováquia era 'os estados pontifícios da maçonaria'. Era uma república laica e desportista. O sonho dourado de Giner, de Américo Castro, de Fernando de los Ríos, de todo um mundo de políticos de fraque, barbudos e refinados, que entre os sorrisos dos banquetes abriam à troika incendiária dos soviets o caminho da Europa. (...)
A Checoslovaquia tem o nome híbrido das coisas falsas; nasceu da reflexão, dos tratados, friamente. Tudo nela é fictício, académico. O seu idioma oficial devia ser o esperanto. Na realidade, só existe nos arquivos da Sociedade das Nações. O seu passado, a sua história, cabem numa pasta.
Benes, em 1918, corre a Europa em carruagem-cama: intriga, oferece, adula, dá recepções. Mas Carlos Magno não fundou o seu império convidando diplomatas para jantar.
Na História, como na Natureza, não existe a geração espontânea. Os homens e as nações, para nascer, precisam de partos dolorosos. (...)
O castelhano não se fala na península por um capricho oficial dos reis ou dos políticos de Madrid. Fala-se castelhano porque nele se escreveu 'o Quixote' e floresceram dois Siglos de Oro. E fala-se na América porque falavam castelhano os vencedores de Otumba e os conquistadores do Cuzco. (...)
Está demonstrado que os professores, os juristas, Genebra e as lojas são incapazes de criar nações. A verdade é que nos dias de hoje, como há muitos milhares de anos, os povos são fundados pelos santos, pelos guerreiros, pelos artistas, pelos séculos e pelos mortos."

HIPER-NOSTALGIAS -DOURADOS 50



Os "Platters"e "Only You" são o conjunto e a canção mais remotos que me lembro de ouvir. Simbolizam, mais, trazem os Anos 50, anos a todos os títulos de inocência, de volta. Apeteceu-me ouvi-los.

quarta-feira, maio 16, 2007

SALAZAR E A ECONOMIA

Juan Velarde Fuertes, nosso amigo, eminente professor de economia e de outras coisas e colaborador da revista Futuro Presente (veja-se, ultimamente, o nosso número 59), publicou no jornal de Madrid Expansión uma recensão do livro organizado por Jaime Nogueira Pinto e recentemente reeditado pela Bertrand Salazar visto pelos seus próximos (1946-68), 3ª Edição. Tencionamos publicar na revista a tradução integral desse artigo; aqui deixamos, como simples aperitivo, as linhas introdutórias e um interessante observação final.

"Saber o que realmente se passa em Portugal em matéria de economia, tanto no terreno dos factos como no das ideias, deveria ser uma questão de primordial importãncia, quer para quantos em Espanha se dediquem à investigação sobre a sua economia como para os empresários e, sem dúvida, para quem tenta orientar a nossa política económica. É claro que as coisas mudaram muito desde aqueles tempos do século XIX em se pretendeu estabelecer, em parte por inspiração da Zollverein germânica que List promovera, uma união aduaneira ibérica. Desde 1985, tudo mudou radicalmente e por isso não é possível ignorar o que acontece e o que se publica a Oeste de Espanha.
Oliveira Salazar parece ter deixado uma funda marca em Portugal. Já se percebia nos volumes XIII e XIV, os últimos publicados, dessa excelente História de Portugal (Editorial Verbo) que está prestes a terminar Joaquim Veríssimo Serrão, sem esquecer os magníficos cinco volumes do monumental Salazar de Franco Nogueira e, especialmente, para explicar a sua política económica, o volume II, Os tempos áureos (1928-1936), Coimbra 1977."

Admira-se, a concluir, Velarde Fuertes que "para julgar a obra de Salazar a nenhum dos 24 colaboradores seus que Jaime Nogueira Pinto convocou para este livro tenha ocorrido um argumento bem fácil em sua defesa: o crescimento do PIB por habitante de 1926 a 1939 - para eliminar as consequências da II Guerra Mundial - e para comparação com Espanha o período 1926-1935, por motivos análogos."

"Aqui estão os dados - (continua Velarde): de 1926 a 1939 o PIB per capita de Portugal, segundo Angus Maddison, cresceu 23,3%; um crescimento ultrapassado pela Alemanha, com 50%, e pela Grã-Bretanha, com 26,9%; mas superior ao desenvolvimento francês, que foi de 12,8%, ao italiano, 20,3% e ao norte-americano, o,5%. Em relação a Espanha, Portugal cresce de 1926 a 1935, também em PIB p.c., 17,6% contra os 6% espanhóis."

AMIGOS DESAPARECIDOS

Na sexta-feira, 11 de Maio morreu o José Luís Pechirra. Conheci-o nessa Lisboa dos anos 60 e das lutas académicas. Ele era dirigente da FEN-Frente dos Estudantes Nacionalistas-onde estiveram também como presidentes o Norman Mascarenhas e o Jorge Moreira, ambos já desaparecidos deste mundo. Mas também o João Pinto Fernandes, que continua vivo e de boa saúde e activíssimo e que vejo muito, entre Maputo e Joanesburgo. E o MiguelFreitas da Costa, que esse está aqui, no "Futuro Presente", presentemente o mais assíduo, comigo, colaborador deste Blog. O José Luís era um combatente e um militante político, das suas causas e assim foi até ao fim.
Quem morreu também depois de uma longuíssima doença que ele combateu com extraordinária coragem e persistência, foi o José Manuel Rosa de Oliveira. Nascido em Moçambique, Oficial -Comando da Companhia em Angola foi um grande combatente. Conheci-o em Pretória em Outubro de 1974, estava ele recém-chegado à África do Sul, indo depois para a Namíbia e Caprivi onde fazia a ligação com a Unita. Muito do que sei desses conflitos fiquei a devê-lo a ele , que conhecia o que é conhecer, a sério. Mais tarde o Zé Manel regressou a Portugal e foi-se reintegrando neste país pós-imperial, como todos tivemos que fazer. E fê-lo, com coragem, disciplina, honestidade, esperança.
Morreu agora, ao fim de uma longa luta contra uma implacável doença. Que o venceu, finalmente. Mas não o convenceu. Deixou uma mensagem para os amigos dizendo-lhes quanto gostara deles e da vida.

terça-feira, maio 15, 2007

O NOSSO COMBATE

Aqui está um modesto programa de combate intelectual muito apropriado a estes tempos paradoxais de dogmáticas certezas "científicas":

"Meter-se com todos aqueles que se tomam demasiado a sério, a si próprios e à qualidade do conhecimento que têm".

(I believe that the principal asset I need to protect and cultivate is my deep-seated intelectual insecurity. My motto is "my principal activity is to tease those who take themselves and the quality of their knowledge too seriously.", Nassim Nicholas Taleb, Fooled by Randomness-The Hidden Role of Chance in Life and in the Markets, Penguin Books, 2007 [Texere, 2004])

TEMPO BRASIL

"... encontrei todo um país que, penso eu, dificilmente seria superado em amenidade do céu. Quando jornadeava, nem me incomodou o calor diurno nem o frio nocturno, conquanto às vezes me arrepiasse o corpo. (...). Só de habitadores carece esta terra, e pede colonos para povoar e cultivar os seus desertos".

As palavras são de Maurício de Nassau, o famoso governador do "Brasil holandês", à sua chegada ao Brasil. Nassau não conseguiu realizar o seu projecto. O "economicismo" dos directores da Companhia das Índias Ocidentais e a resistência dos portugueses do Brasil bem enquadrada estrategicamente, a partir da Restauração, por D. João IV, venceram-no.

Mas a sua visão estava correcta. A terra do Novo Mundo era uma "terra prometida". O problema seria dos "habitadores".

E a expectativa cumpriu-se. O Brasil é um país a sério, um Estado nacional, onde esquerdas e direitas são nacionalistas e os empresários também; um interesse nacional servido pela internacionalização da economia; um país que cresce, com os militares, com Fernando Henrique ou com Lula; um país com uma cultura riquíssima com os grandes escritores vivos da língua portuguesa – de João Ubaldo Ribeiro a Nélida Pinõn; e as canções de Bethânia, Chico Buarque, António Carlos Jobim; e a poesia de Bandeira, de Vinicius, e o jornalismo do "Estadão", os "novelões", históricos de qualidade dos "Anos Rebeldes" a "JK"; um país onde em vez do "português" de cá, conselheirento e "direitinho", há uma língua viva, forte, que ferve, que caminha, que encanta.

Um país sério que Portugal "descolonizou" em paz e sossego, no quadro de uma solução familiar e dinástica. Depois dos trabalhos de Oliveir Lima, ninguém pode ignorar o papel de D. João VI, na formação e construção do Brasil: e que os "pais-fundadores" quiseram manter as fronteiras da colónia, no novo Estado; e que o modelo monárquico o poupou ao cancro dos "pronunciamentos" e aos caudilhos daí nascidos, como o tenebroso "Doutor Francia", imortalizado por Roa Bastos em "Yo, el Supremo" até ao sanguinário Rosas.

O último país civilizado a abolir a escravatura, graças também à força panfletária de um idealista lúcido, Joaquim Nabuco, cujos diários foram há pouco editados pela sua neta e grande senhora de duas grandes cidades americanas –de Nova Iorque e do Rio – Sylvia Maria (Vivi) Nabuco.
Falo do Brasil na volta de uns dias entre o Rio e Angra.

Nada mais fascinante que o "primitivo" enquadrado pela civilização de Angra dos Reis – essa baía que fecha a Sul na "cidade do ouro" de S. João de Paraty, povoada por ilhas verdes, vulcânicas, entre morros e montanhas, céu azul ao sol ou cinzento de capacete. E do Rio, sobrevivente a tudo – da saída do governo para Brasília às quadrilhas de marginais. O Rio da sinfonia do António Carlos Jobim e do Billy Blanco, das crónicas do Nelson Rodrigues, dos contos do Ruben Fonseca. E dos "anos dourados", os 50, tão bem evocados por André Jordan, um luso-brasileiro nascido na Mitteleuropa, e com "mundo", em O Rio que passou na minha Vida.

O perigo são os clichés vulgarizadores – o do "português" boçal e reaccionário e do brasileiro do Carnaval, da boa vida à sombra da bananeira. Enquanto deixarmos prosperar estas falsas percepções cruzadas, ficaremos sempre de fora ou ao lado.

Jaime Nogueira Pinto
Publicado no Expresso a 12 de Maio 2007

domingo, maio 13, 2007

PASSEIOS DE DOMINGO-UMA VOLTA PELO "OESTE"



É exactamente a minha sugestão para este domingo..."Go West..."E com estes "heróis" de Butch Cassidy and the Sundance Kid, Paul Newman e Robert Redford. Magníficos! O filme é de 1969, se não estou em erro. Falta ainda "ela", que é a 3º(ª)vértice do triângulo, mas depois falamos.

sábado, maio 12, 2007

NOSTALGIAS-LERMONTOV


"No, I'm Not Byron..."

No, I'm not Byron; I am, yet,
Another choice for the sacred dole,
Like him - a persecuted soul,
But only of the Russian set.
I early start and end the whole,
And will not win the future days;
Like in an ocean, in my soul,
A cargo of lost hopes stays.
Who, oh, my ocean severe,
Could read all secrets in your scroll?
Who'll tell the people my idea?
I'm God or no one at all!

terça-feira, maio 08, 2007

VISTAS DA AMÉRICA (AS ELEIÇÕES FRANCESAS)

New Europe

By SIMON SERFATY
May 8, 2007; Page A18

PARIS -- For over a quarter of a century, two men dominated France's political life: François Mitterrand, who lost two elections before becoming president in 1981, and Jacques Chirac, who replaced him in 1995 after serving twice as prime minister. Now the French have a new president, Nicolas Sarkozy, the plain-spoken son of a Hungarian immigrant, who convincingly defeated an unmarried woman with four children, Ségolène Royal on Sunday. No wonder voters came out en masse, as if the two lead candidates had liberated them from boredom. But with the choice made, voters remain apprehensive of their new president no less than of their own condition at home and in the world.

Yet the atmosphere of renewal that accompanied Mr. Sarkozy's triumph, and reinforced by Ms. Royal's honorable showing, will soon be tested. The millions who voted for "anyone except Sarkozy" will not be easily seduced.

First, there is the matter of France herself. As was the case with Mr. Chirac's first and last prime ministers, Alain Juppé in the fall of 1995 and Dominique de Villepin last year, Mr. Sarkozy's commitment to reform will face considerable opposition. Indeed, unrest in the streets of Paris this fall is all but certain. Paradoxically, France is a centrist republic that hungers for extreme solutions to its societal problems of identity, prosperity and security.

Enter what might be called the Thatcher factor. Mr. Sarkozy is expected to act forcefully. For that he will need a mandate, so success in next month's legislative elections will be vital to his presidency. With the left in disarray and the center hurt by François Bayrou's muted endorsement of Ms. Royal, such a majority is within reach.

Second, with regard to Europe, his will to act suits German Chancellor Angela Merkel, with whom Mr. Sarkozy will work closely to address an urgent institutional agenda that has been stalled since the death of the EU constitutional treaty two years ago. Mr. Sarkozy hopes for a "mini treaty" that can relaunch the EU without any "constitutional" claim or a need for another referendum. Next month's EU summit offers an opportunity to test the new Franco-German duo before the arrival of Gordon Brown, Britain's premier-in-waiting.

A shrewd politician, Mr. Sarkozy is fully aware that the French have become increasingly euro-skeptical. Prosperity is the key here. Recent opinion polls show that only 22% of Frenchmen think they "live better" thanks to the EU, while 43% disagree. Much of that skepticism has to do with enlargement, and Mr. Sarkozy's opposition to Turkey's membership is especially firm. On the whole, however, France's EU partners will find Mr. Sarkozy easier to work with than most of his predecessors, as he will not make every issue a theological test of vision.

Finally, there is France's troubled relationship with the U.S. -- or "our American friends," as Mr. Sarkozy said in his victory speech. The passion that Mr. Sarkozy feels for both America and Americans is real. It clearly surpasses his compatriots' ambivalence about either. That could also have been said of Mr. Chirac in 1995, if not of Mitterrand in 1981. Thus, Mr. Sarkozy's passion for what America is should not be mistaken for a blanket endorsement of what America does -- he has praised Mr. Chirac's opposition to the Iraq war. Still, over such issues as the spread of nuclear weapons and the clash with Iran, France and the U.S. are often closer to each other than they are respectively to Germany and Britain. Mr. Sarkozy may also be more of a team player in the trans-Atlantic alliance -- including on issues such as NATO enlargement and relations with Iran, Russia and China.

The French presidential election is one in a series of elections over the past few years that add up to a complete political turnover in four key EU countries. There was also such a changing of the guard in 1979-83, when elections produced a revolution of sorts in each country: from left to right in Britain (Margaret Thatcher in 1979) and Germany (Helmut Kohl in 1983), and from right to left in France (Mitterrand in 1981) and Spain (Felipe González in 1982). These changes eased a renewal of the Atlantic alliance inspired by Ms. Thatcher and Ronald Reagan, himself elected in 1980, and of the European Community, with Mitterrand and Mr. Kohl at the helm. These forceful leaders were all individuals of conviction who did not embrace everyone else's ideas but who respected each other. Together, they won the Cold War with a cohesive alliance and a dynamic European Union.

Today, France appears ready to "reunderstand" its inability to go it alone at home within Europe and in the world. The new French president comes into office eager to make France right, so to speak, and to settle the societal problems that obstruct the making of a renewed France in a new Europe. Among the just-elected or coming new leaders in Europe, Mr. Sarkozy appears especially well prepared to attend to this agenda of transition and urgency -- transition for the country he will now be leading, and for the union and the alliance his predecessors helped fashion during the Cold War, and urgency because, after a 26-year presidential pas de deux, there is much to do on all these accounts.

(in The Wall Street Journal,8may 2007)

segunda-feira, maio 07, 2007

GRANDE DI CAVALCANTI, GRANDE BRASIL

De volta de dez dias no Brasil, ainda sob o "charme"da natureza, das cidades, das pessoas. O mar e os morros de Angra, com as suas enseadas e praias do começo do mundo; o Rio de Janeiro, atravessado e recordado num domingo de canícula, com um jogo Flamengo-Botafogo a pôr as "torcidas"em guerra, com emboscadas e enfrentamentos à séria (grande Nelson Rodrigues das"chuteiras imortais") que até comoves um agnóstico total da bola como eu! E escritores,falo amanhã deles e das minhas últimas e actuais leituras "brasileiras".Deixa só deixar aqui um "di Cavalcanti"de tema baiano, tão bonito...

O DISCURSO DE SARKOZY

Temas-chave do mission statement ou, como se diz agora em português, da "carta de missão" do novo Presidente da República Francesa: revalorização da Identidade Nacional e promoção do orgulho de ser francês- mas todo o empenho na Construção Europeia; reabilitação dos valores do Trabalho, da Família, da Autoridade, da Moral - e modernização da França; dureza para os marginais e compaixão para os marginalizados; o combate contra o "Aquecimento Global" como grande prioridade - e reforço da colaboração com o "amigo americano - e assim por diante. Esmagado, Jean Marie Le Pen, chamado a comentar a vitória eleitoral da UMP, ainda foi capaz de lembrar como Bruxelas escreve noventa por cento das leis francesas, mas para exemplificar só lhe ocorreu a questão do IVA dos restaurantes - e pouco mais disse. Foi em certa medida o grande perdedor da noite. A derrotada Ségolène Royal (e), com um dos melhores scores socialistas dos últimos tempos, foi praticamente entronizada pela "rua" como salvadora do PS - para visível desespero de muitas figuras gradas do Partido, que vão ter dificuldade em livrar-se dela.

sexta-feira, maio 04, 2007

RAYMOND CHANDLER (1888-1959)-CORRIGIDO E AUMENTADO

Lido recentemente numa biografia do grande, inimitável e muito imitado Raymond Chandler: "Vivemos um miserável tempo literário de homens insignificantes que já não sabem rezar" (Carta de 1947) - e de escritores que nem sequer "aprenderam os clássicos", "sem Deus e sem heróis". Chandler é conhecido - se ainda há quem o conheça - pelos romances policiais que têm como protagonista o detective privado de Los Angeles Philip Marlowe (no cinema Humphrey Bogart, em The Big Sleep, de Howard Hawks - 1946, Robert Montgomery, em The Lady in the Lake, de Robert Montgomery - 1946, Robert Mitchum, em Farewell, My Lovely, de Dick Richards - 1975 e (outra vez) The Big Sleep, de Michael Winner -1978, Elliot Gould, em The Long Goodbye, de Robert Altman, etc.). O filme de Shane Black Kiss Kiss, Bang Bang (2005) presta homenagem a Chandler dando por título a cada uma das várias partes em que é dividido títulos de romances ou contos do criador de P. Marlowe.
Chandler nasceu no mesmo ano que Fernando Pessoa e que o Cardeal Cerejeira, e que T. S. Eliot, um ano antes de Salazar, já que falamos dessa geração.

ATRIBULAÇÕES DOS CHINESES NA CHINA

Qiu Xiaolong é um chinês nascido em Sanghai e que vive desde 1989 nos Estados Unidos, onde ensina literatura chinesa. Escreve romances policiais muito festejados. Não é um grande escritor. mas - como se costuma dizer - "lê-se com agrado", e serve, sobretudo, para nos dar um elucidativo retrato da China actual na sua esquizofrenia, em que convivem o velho país comunista e os novos hábitos capitalistas, nos quais se distinguem os FAQ, ou seja os Filhos dos Altos Quadros do PC. Há edições de bolso de vários dos seus romances - fáceis de encontrar na FNAC de Lisboa, pelo menos. Li Death of a Red Heroine, em que também se encontra uma rápida introdução a alguns clássicos da poesia chinesa. Não há dúvida que o futebol é que induca.

MAUGHAM E AS "NOVAS OPORTUNIDADES"

A infelicíssima e estúpida campanha publicitária das "novas oportunidades" - que já foi zurzida em todos os tons por um amplíssimo espectro de comentaristas- lembrou-me um velho conto de Somerset Maugham sobre "O sacristão da Igreja de S.Paulo". No melhor pano cai a nódoa - e vice-versa. Alice Vieira também se lembrou dele e recorda a história numa crónica no "Jornal de Notícias". Como não a consigo copiar - recomendo que a procurem no site do JN.

AINDA A PROPÓSITO DAS ELEIÇÕES FRANCESAS - ALPHONSE ALLAIS E ANDRÉ BRUN

Ferreira Fernandes, no "Diário de Notícias", a propósito dos "discursos" de Ségolène Royale, lembra o grande humorista Alphonse Allais, que sugeria para resolver o problema das condições de vida na cidade - que fossem construídas no campo... Alphonse Allais, que vale sempre a pena reler, e que é uma pena não conhecer, tinha muito em comum com o nosso grande humorista André Brun, que também viveu e escreveu a cavalo entre o século XIX e o século XX, e em muitos casos inspirou o seu humor. Há mesmo um dos divertidíssimos textos de André Brun (à cautela dedicado a Allais) que é uma adaptação directa de um texto do colega. É lá que um tipo que era, em francês, "no género de Balzac", bebia muito café, em português diz: "Sou um tipo no género da Alfândega de São Tomé e Príncipe, despacho muito café".

SARKO-SÉGO:MÊME COMBAT?

Depois de assistir ao debate televisivo entre os dois candidatos à Presidência Francesa na segunda e decisiva volta - não se pode deixar de lastimar a pobreza da escolha. Deve ser melhor, apesar de tudo, que ganhe Sarkozy, em vez da petulante e vácua Madame Royale, mas apetece concordar com Jean Marie Le Pen, que recomenda a abstenção: votar em Sarko é um logro, votar em Ségo "uma irresponsabilidade".