quinta-feira, julho 31, 2008

QUE FITA VAI HOJE? - UMA E OUTRA VEZ

Sem querer ser insistente, tanto mais que se trata em geral de ruins defuntos que não merecem muitas velas, não quero deixar de referir a repetição hoje de vários filmes já aqui comentados ou referidos: Verão escaldante (Summer of Sam, 1999, Spike Lee), que, repito, é um dos filmes mais desagradáveis do autor e mesmo dos anos mais recentes, à 1.50 no AXN, Conan, o destruidor (Conan the Destroyer, 1984, Richard Fleischer), o segundo da saga de Robert K. Howard, à 1.00 no Hollywood, o ridículo mas muito ilustrativo de uma época e das suas pretensões Blow up de Antonioni (História de um fotógrafo, 1966), às 20.00, no TCM, que a seguir (21.50) repõe o Por favor não me morda o pescoço um filme um tanto desconjuntado de Roman Polanski feito na mesma época (1967). O filme da noite é outro: na RTP1, às 23.00, Na América (In America, 2002), um belo fime de Jim Sheridan - depois de Neil Jordan um dos mais importantes contributo da Irlanda para o cinema - o relizador de O meu pé esquerdo (My Left Foot, 1889) e Em nome do pai (In the Name of the Father, 1993), duas formidáveis interpretações de Daniel Day-Lewis. Jim Sheridan é um homem de talento, senso e sensibilidade - and so say all of us, o que neste caso não quer dizer que não seja verdade.

quarta-feira, julho 30, 2008

QUE FITA VAI HOJE? - UMA VEZ MAIS

O Hollywood tornou a passar esta tarde a Charada de Stanley Donen. Não sei se ainda voltará proximamente. É no TCM que há esta noite o melhor programa: às 21.50 exibe Children of the Damned (1963), uma sequela menor mas apresentável, ao que oiço dizer, da primeira versão de Village of the Damned, o "clássico" de 1960; às 23.35, um clássico na verdadeira acepção da palavra, que consagrou o canon de muito do que se fez daí por diante na "comédia musical": 42nd Street (Rua 42[?] 1933), de Lloyd Bacon. Quem quiser esperar até às dez para as duas pode ver Confronto em L.A (One False Move, 1992): Carl Franklin é um realizador que merece sempre, mais ou menos, e nunca em tom maior, é verdade, mas sempre, a espera.

terça-feira, julho 29, 2008

QUE FITA VAI HOJE? - DUAS OU TRÊS COISAS

Às 21.30, no Hollywood, Charada (Charade, 1963), Stanley Donen no modo comédia policial sofisticada (Cary Grant, Audrey Hepburn, Walther Mathau, nos seus tempos de "mau") - que repetiu, com menos frescura, claro, e menos êxito, em Arabesque (1966). A ver - e comparar com a recente versão dirigida por Jonathan Demme. No TCM, além de My Favourite Year (1982), às 21.45, uma comédia de Richard Franklin com Peter O'Toole, que já aqui foi recomendada, pode dar-se uma olhadela a Butterfield, 8 (1960), às 20.00: é tirado de um livro de John O'Hara (1905-1970), um excelente cronista e contista, e um bom romancista, que não teve muita sorte na vida ou na literatura - e ainda menos no cinema.

sábado, julho 26, 2008

QUE FITA VAI HOJE? - IMPERDOÁVEL

Faltar hoje era imperdoável: na nova sessão dupla envergonhada dos sábados à noite na RTP2 passa The Searchers (A desaparecida, 1956), de John Ford, que "é considerado um dos melhores westerns de sempre" - diz o jornal com verdade, uma vez não são vezes - e é, de facto, simplesmente, um grande filme (às 22.45); a seguir, continua a retrospectiva Bergman: hoje é exibido Sonata de Outono (1978). No TCM há mais uma oportunidade de ver (ás 20.00) O ano de todos os perigos (The Year Of Living Dangerously, 1982), o melhor filme do realizador australiano Peter Weir, que se tinha apresentado nos mercados mundiais, promissoramente, com Gallipoli (1981), depois de se ter revelado com Picnic At Hanging Rock, em 1975 Daí por diante nunca satisfez totalmente as expectativas - pelo menos as minhas - a não ser, talvez, com o mais recente Master and Commander: The Far Side of the World (2003), embora O clube dos poetas mortos (Dead Poets Society, 1989 ) tenha sido um grande êxito e Witness (A testemunha, 1985) fosse um thriller sólido e muito bem feito.

QUE FITA VAI HOJE? - "TRICKED!"

Fui enganado: o Psico desta noite não era o de Hitchcock, era o outro!

(Já agora - o título desta errata é em honra de um dos meus livros de estimação, um paperback vulgarísimo, "A Four Square Book", de 1965, um dos livros em inglês que comprei há mais tempo. Tem por título The Spy's Bedside Book e é uma antologia de trechos da literatura de espionagem organizada e apresentada por Graham Greene e o seu irmão Hugh Greene e editada pela primeira vez em 1957; o meu livro é a terceira edição brochada - e está a desfazer-se. "Tricked" foi o título que os irmãos Greene deram a um trecho de William le Queux que abre a segunda secção do livro, Hazards of the Profession. Fui buscar o livro à estante e como o texto de Tricked é muito curto passo a traduzi-lo: " Só tive tempo de soltar uma surda praga antes de ser atirado de cabeça para dentro de uma caixa de piano vazia, cuja pesada tampa imediatamente se fechou sobre mim... Tinha sido enganado!")

sexta-feira, julho 25, 2008

QUE FITA VAI HOJE? - CADA VEZ PIOR

"Cada vez pior" é o título de uma das colectâneas de crónicas e outras produções de André Brun - que aqui homenageamos uma vez mais - e é o nosso destino: já lá vão quase oito dias sem pôr os pés neste blog, nem sequer para falar de cinema. Malhas que a actividade editorial tece. Os filmes exibidos na televisão mais vulgar de lineu também não têm sido muito entusiasmantes, valha a verdade, embora, querendo e podendo, haja sempre por onde encontrar o fio à meada. Hoje são "repostos" de novo dois filmes para que vale a pena chamar a atenção todas as muitas vezes que vão reaparecendo: Psycho, de Alfred Hitchcock (Psico, 1960), entre outras coisas um dos mais brilhantes exercícios "gráficos" do cinema moderno, às 23.50, no AXN, e para noctívagos endurecidos Fargo (Fargo, 1996), um dos melhores filmes dos irmãos Coen, às 02.00 da manhã, no Hollywood. Neste mesmo canal, Prova de vida (Proof of life, 2000), às 23.10, e Um pai à maneira (Big Daddy, 1999), às 21.30, é mais para efeitos clínicos: Taylor Hackford não está muito vivo como realizador do primeiro e, no segundo, Adam Sandler não nos convence, mais uma vez, de que possa ser o novo grande "cómico" dos nossos dias, embora as bilheteiras digam, ao que parece, o contrário. No TCM, além de uma nova exibição de Westworld (O Mundo do Oeste, 1973), ainda há pouco aqui falado - às 23.15 - é exibido daqui a bocadinho, às 20.00, O prémio (The Prize, 1963) - uma curiosidade da "guerra fria", realizado por Mark Robson, outro vieux routier, que quiz o acaso que assinasse o último filme de Humphrey Bogart, um filme "negro" tardio (según se mire, claro, onde começa e acaba o cinema "negro" que tem tido várias encarnações), Mais dura será a queda (The Harder they Fall, 1956).

segunda-feira, julho 21, 2008

QUE FITA VAI HOJE? - TCM

Hoje, temos que voltar ao TCM. Mas à pressa, mais uma vez: só para apontar que às 21.50 este canal passa Vagabundos selvagens (Wild Rovers, 1971), uma incursão de Blake Edwards, no western (Edwards, além das "Panteras" e outras notáveis farsas cinematográficas como o Victor-Victoria, correu vários géneros) e ao soar das 24 badaladas das zero horas repete o Now, Voyager (1942) um clássico do melodrama com Bette Davis. À meia-noite também, no Hollywood, é exibida um versão relativamente recente de Mr. Deeds (2002) cujo principal mérito é dar-nos a oportunidade de lembrar o filme original de Frank Capra (Mr. Deeds Goes to Town, 1936) - com Gary Cooper.

domingo, julho 20, 2008

CELEBRAÇÕES DO MILÉNIO (ALDN ): ROMANCE 2 - FRED AND RITA

CELEBRAÇÕES DO MILÈNIO: ROMANCE 1 - FRED AND GINGER

PASSEIO DE DOMINGO - E QUE FAÇO EU AQUI?

Reparei que este é o "post"1 000 deste Blog. Hoje devia estar aqui, no calor de Nova Iorque, mas mudanças bruscas de pessoas e de situações levam-me a partir daqui a bocado para outras paragens- africanas para variar.
Mas tenho saudades de NY. por isso deixo-a aqui no post 1 000!

quarta-feira, julho 16, 2008

QUE FITA VAI HOJE? - A CORRER

Em tempo, mas sem tempo para as muitas digressões que estes dois casos bem mereceriam: às 21.30, no canal Hollywood, A amante do tenente francês (The French Lieutenant's Woman, 1981), uma interessante transposição pela mão de Karel Reisz, não inteiramente bem sucedida (o que seria talvez impossível) mas com mérito, de um dos romances do século XX de que mais gosto, escrito por John Fowles; às 20.00, no TCM, Naked Spur (Esporas de Aço, 1953), um dos esplêndidos exemplares do ciclo de grandes westerns de Anthony Mann com James Stewart.

terça-feira, julho 15, 2008

QUE FITA VAI HOJE? - ALIEN

Hoje, desde as 23.05, no canal Hollywood, está a passar a outra fita do realizador de Blade Runner que marcou a ficção científica (uma das poucas que a redimiu...) no cinema: Alien - O oitavo passageiro (Alien, Ridley Scott, 1979). Nos meus tempos de mais intenso cosmopolitismo vi-a pela primeira vez num cinema de Amsterdam. Revelou-nos realmente Sigourney Weaver - e tem um dos mais horripilantes monstros cinematográficos - um monstro que sai das nossas próprias entranhas. (Curiosidade: o nome verdadeiro de Weaver é Susan Alexandra; Susan Alexander era o nome da mulher de Charles Foster Kane em O Mundo a seus pés de Orson Welles.)

domingo, julho 13, 2008

PASSEIO DE DOMINGO - COM CASPAR DAVID FRIEDRICH

Chama-se "Frau in den Morgensonne", mulher ao sol da manhã, este quadro de Caspar David Friedrich. Hoje era neste lugar, ou em qualquer outro destes realíssimos lugares imaginados por Friedrich entre o Báltico e a Alemanha Central , que gostaria de estar. E com estas cores. E quem seria esta mulher? (O quadro é pintado por volta de 1818,no coração do Romantismo alemão)...

sábado, julho 12, 2008

QUE FITA VAI HOJE? - ANTES DA HORA

Tecnicamente, o dia já começou. Ainda é cedo, o que dá tempo para falar por adiantado de três filmes que passam à tarde, o que não é costume - mas hoje é sábado. Na TVI, às 13.55, Minutos contados (Nick of Time, 1995), um dos mais desapontadores esforços de um realizador menor mas às vezes eficaz, John Badham (o seu Stakeout - Debaixo de olho - 1997, não era nada mau, um dos melhores papéis de cada um de três dos seus actores, Richard Dreyfuss, Aidan Quinn e Madeleine Stowe - que é feito de Madeleine Stowe?), com um péssimo Johny Depp, um excelente, como sempre, Cristopher Walken e a curiosidade de ser contado em "tempo real" (o primeiro deste género de que me lembrei logo foi O combóio apitou três vezes (High Noon, Fred Zinneman, 1953) mas houve outros, claro, como A corda de Hitchcock (1948) ou Doze homens em fúria (Sidney Lumet, 1952), incluindo vários mais recentes, sem falar da série de televisão "24 horas"; a seguir, às 15.45, Under siege (Força em alerta - é este o título português de que não me lembrei outro dia a propósito de Tommy Lee Jones - de Andrew Davis, 1992). No TCM, às 17.00, o "mítico" Major Dundee, 1965, do "mítico" Sam Pekinpah, com Charlton Heston. Para a noite fica mais uma "sessão dupla" da RTP2, ressuscitada sem nome e nem sempre com a mesma lógica: primeiro, às 22.40, A noite fez-se para amar (improvável título português de McCabe and Mrs. Miller, 1971), de Robert Altman, muito anos 70, com Warren Beatty e Julie Christie e sem fazer muito sentido: não é do melhor Altman, mas pode ver-se com fins meramente científicos; depois, A máscara (não é o filme de Jim Carrey, é o Persona de Ingmar Bergman, 1966); lembro-me mal deste filme sombrio e arrevesado e apetece-me revê-lo, não sei quantos - mas muitos - anos depois de o ter visto pela primeira e última vez, até agora, num cinema de Lourenço Marques, mesmo antes da revolução).

quarta-feira, julho 09, 2008

QUE FITA VAI HOJE? - JÁ NÃO SÃO HORAS

É tarde demais para ver Os intocáveis (The Untouchables, 1987, era às 21.30 no Hollywood), a versão cinematográfica dirigida por Brian de Palma da série de televisão dos anos 60, cujo "piloto" foi passado nos cinemas. A história do combate de Eliot Ness e dos seus homens contra Al Capone, na Chicago dos anos da Proibição, anos 20 e princípio dos 30 do século passado volta a ser contada, com Robert de Niro no papel de um dos mais célebres gangsters da história do gansterismo americano, um papel que pertenceu antes a Paul Muni, Neville Brand ou Rod Steiger; Kevin Costner substitui Robert Stack. É um filme maneirista mas não desinteressante e dirigido por de Palma com o seu habitual brio estilístico. Também já passou longamente a hora de A vida apaixonada de Van Gogh (Lust for Life, 1956), era às 20.00 no TCM, cuja programação já tem aparecido outra vez, uma notável experiência na biopic de Vincente Minneli, de que não se esquece um Kirk Douglas impressionante e um esplêndido virtuosismo cromático. Talvez volte noutro dia. Só não é tarde para um divertimento menor: Hard Target (Perseguição sem tréguas, 1993), versão Jean Claude Van Damme - mas dirigida por John Woo - do clássico The Most Dangerous Game (1932), que no tempo em que éramos franceses eu conhecia mais depressa pelo nome evocador de Les chasses du comte Zaroff (nome falso, lembra-me a internet, pois na estreia o título francês era "La Chasse...", como pude já, de resto, verificar num velho número da revista "Midi-Minuit Fantastique", que tenho diante de mim e tem na capa o título francês original e lá dentro, além de entrevistas com Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack, que logo a seguir realizaram o primeiro King Kong, uma tradução do conto em que se baseou a história dessa caçada, escrito por Richard Connell - e depois várias vezes refeito em cinema). Passa à 1.30 - o Van Damme - no Hollywood.

terça-feira, julho 08, 2008

QUE FITA VAI HOJE? - QUANTO MAIS QUENTE MELHOR

Hoje, às 20.00, no TCM, e à 1.30 na RTP1, dois "clássicos" do filme de terror moderno: Poltergeist: O fenómeno (Poltergeist, 1982, de Tobe Hooper, que havia de ser o realizador de outro "clássico", o gore Texas Chainsaw Massacre, um arquétipo, de 1986) e o Sexta-feira 13 (Friday the 13th, 1980), com o nosso insaciável amigo Jason, que morreu e viveu em mais uma dúzia de sequels, com todas as suas sangrentas sequelas. Mas é claro que a estrela dos filmes de hoje é, às 21.30, no Hollywood, uma das farsas mais perfeitas do cinema americano da segunda metade do século XX, que não ganhou uma ruga: Some Like It Hot (Quanto mais quente melhor, 1959 - vai fazer 50 anos!), do inimitável Billy Wilder, com Marylin, Tony Curtis, Jack Lemon e o Joe Brown, com a sua definitiva deixa final, Nobody's perfect! Ontem não cheguei a tempo, mas o dia era da RTP Memória, com Caminho para dois (Two for the Road, 1967) - mas foi à tarde - um filme inesquecível e "moderno" de Stanley Donen, numa das suas mais felizes incursões na comédia não musical (como o Charade, 1963, também com Audrey Hepburn, mais Cary Grant, mais Walther Mathau) e, à noite, Nevada Smith, 1966, com Steve McQueen, realizado por Henry Hathaway, mais um daqueles realizadores a que se costumava chamar vieux routiers e que merecem ser relembrados.

SALAZAR EM GRANDE E PEQUENO - 5: O HETERÓNIMO DE PESSOA

Concluimos com este quinto "episódio" a publicação do texto do Nuno Rogeiro, " versão alargada e anotada do texto para a série “Os Anos de Salazar”, editora Presslivre", com as respectivas notas:

"Como apontava certeiramente o belga Pol Vandromme (4), Salazar correspondia mais, sendo solteiro, à figura jurídica do “bom pai de família”, do que ao leão Mussoliniano, forçado a “viver perigosamente”. E, católico e crente (isto é, politizado e confesso), aproximar-se-ia mais do Cardeal Richelieu, do que de qualquer Rei ou Imperador.
Um Richelieu curioso, colocado no poder e protegido pelos mosqueteiros, mas cuja política começou a diferir da destes, quando os militares quiseram fazer política.
Conservador de outros tempos, de outro país, de outro mundo, tradicionalista e homem da terra, tirou no entanto o tapete aos monárquicos, em jubilosa esperança pela restauração da monarquia. Ele próprio militante católico, “subversivo”, da Primeira República, mostrou que detestava a violência tribal, e distanciou-se muito cedo de Rolão Preto e das suas milícias, mas também das fantasias da “Ordem Nova”, de Marcello Caetano, e dos “Fifis”, de António Ferro.
Foi esta atitude de grande ordenador do espaço, de meticuloso “director, e não administrador”, como referia a Acheson, de tirano do senso comum, de obcecado pela ordem, num país caricaturalmente desordenado, que alienou, desde logo, espíritos como o de Fernando Pessoa.
Mas Salazar, como já escrevi, é um dos seus heterónimos por assumir.
“Outro eu”, porquê?
Em que medida Salazar incarna algum elemento pessoano oculto, alguma camada não consciente, ou recalcada, algum desejo sublimado, ou uma mera coexistência de dois seres, diferentes, no mesmo corpo?
Não é certamente por causa da elegíaca e elegante “Mensagem”, patrocinada pelo Secretariado da Propaganda Nacional. Em muitos aspectos, a aventura Pessoana, quixotesca e sonhadora, chocava com o planeamento logístico do Salazar-Sancho Pança.
Não é por causa do “nacionalismo místico” de Pessoa. O de Salazar era ordenado, bem comportado e “não agressivo”.
Não é por causa do cosmopolitismo de Pessoa, o trânsfuga de Durban, o sonhador inglês, o correspondente do sinistro Aleister Crowley, o primeiro publicista português da Coca Cola (com o “Primeiro Estranha-se/Depois Entranha-se”, de 1928). Embora curioso e atento face à política internacional, Salazar usava apenas as palavras necessárias – e suficientes – para descrever um pensamento, e não para o ocultar, ou realçar.
Salazar foi o heterónimo de Pessoa, na precisa medida em que incarnou todos os elementos que o poeta incluiu no Interregno, como necessários e urgentes, para a salvação da pátria.
Onde Pessoa era o grande agitador, e o patrono do caos, Salazar era o grande organizador, e o padroeiro da ordem.
Poderíamos imaginar o que teria sucedido, se Pessoa tivesse vivido o Salazarismo, e não apenas o seu prelúdio. Acabaria como Rolão Preto...ou como António Ferro?

Claro que o “lugar exacto” de Pessoa e de Salazar, nos grandes concursos historiográficos, está em aberto, embora muitos já tenham expresso uma opinião.
Mas, como dizia Torga:

“Chegar à India ou Não
É um íntimo desígnio da vontade.
Os Fados a favor e a desfavor
São argumentos da Posteridade”.


(1) Uma das proclamações importantes de Salazar, visivelmente dirigida ao nacional-socialismo, e feita precocemente, em 1934, diz assim:

“(...) e todavia é preciso afastar de nós o impulso tendente à formação do que poderia chamar-se o Estado totalitário. O Estado que subordinasse tudo sem excepção à ideia de nação ou de raça por ele representada, na moral, no direito, na política e na economia, apresentar-se-ia como ser omnipotente, princípio e fim de si mesmo, a que tinham de estar sujeitas todas as manifestações individuais e colectivas, e poderia envolver um absolutismo pior do que aquele que antecedera os regimes liberais, porque ao menos esse outro não se desligara do destino humano” (in “O Estado Novo português na evolução política europeia”, Lisboa, 26 de Maio de 1934).

Mais à frente, denuncia o paganismo residual destes regimes, e vaticina-lhes o fim, na revolução ou nas guerras de religião, “mais graves do que as antigas”.

(2) in D. Acheson, Present at the Creation, Londres 1969, pág. 628.

(3) P. Lewis, “Salazar’s Ministerial Elite, 1932-1968”, in Journal of Politics, vol.40, pp. 622-647. Lewis estuda o problema da tensão entre lealdade e competência, nos regimes autocráticos, e lamenta que a “estreiteza doutrinal” da liderança tivesse alienado muitos jovens promissores de uma carreira na política superior, mas parece moderar o seu juízo face a alguns elementos paradoxais do Estado Novo.

(4) No clássico L’Europe en Chemise, Pardes, 2002 (reedição)."

domingo, julho 06, 2008

PASSEIO DE DOMINGO - TORRE DA MEDRONHEIRA (NOSTALGIAS DE 30 ANOS)

É o meu Algarve de 32 anos, a Torre da Medronheira, entre os Olhos de Água e o Hotel Balaia. A Torre é uma destas torres de vigia que serviam para prevenir as populações da aproximação dos piratas barbarescos (geralmente argelinos) e das suas razias.
Fizemos aqui praia mais de 25 anos. Este sol, este mar, estas rochas, a Falésia para Nascente, Albufeira para Poente, foram o cenário dos nossos Verões e o primeiro mar, o primeiro sol, a primeira praia que os meus filhos viram. E o pai com um camaroeiro e lá partíamos à pesca do polvo mítico.
Este fim de semana fomos lá para a hospitalidade do Francisco e da Maria da Graça. Que defenderam o seu reduto do massacre geral.

SALAZAR EN GRANDE E PEQUENO - 4: AS ÉPOCAS DE SALAZAR (II)

Continuação do ensaio de Nuno Rogeiro:

"Entre 1945 e 1961, os desafios são outros: a modernização económica, social e política, a modernização do estado e das suas estruturas, a modernização “ideológica”, a re-centragem do regime. Tudo isto, face às realidades do triunfo das democracias, da debilidade espanhola, da guerra fria, e também a consideração de um movimento contestatário interno mais organizado, e liberto do bode expiatório comunista, culminando na campanha de Humberto Delgado.
Pode perguntar-se, objectivamente, porque é que Salazar não protagonizou ele próprio a “abertura”, antecipando a Primavera Marcellista, porque é que não renovou em profundidade o pessoal dirigente, porque é que não usou o tema da neutralidade face à guerra, e da distância dos totalitarismos, para encontrar novos adeptos e uma nova lógica.
Para os que acham que isto teria sido possível, porque havia paz (e logo capacidade de manobra), as coisas tornaram-se especialmente delicadas, entre 1961 a 1968.

Tratou-se, neste período do ocaso salazarista, de manter uma política ultramarina entre a guerra e o desenvolvimento, entre a emergência e a continuidade, manobrando face a aliados reticentes, e inimigos numerosos.
O potencial para novas ideias existia, porém. Repare-se que, num discurso de 12 de Agosto de 1963, Salazar, então já com 75 anos, nega a necessidade de “dualidade territorial” entre metrópole e ultramar (sugerindo, em abstracto, a possibilidade uma capital em África), explica a necessidade de uma “igualdade jurídica de todas as etnias”, e “o multiracialismo nas leis e na vida”.
A influência de novas gerações, algumas vindas de áreas da oposição (os casos de Franco Nogueira e Adriano Moreira são os mais conhecidos), fazia-se sentir, e até um autor crítico, o politicólogo americano Paul Lewis, reconhecia uma evolução do regime no sentido da “tecnocracia” (3).
Mas era então demasiado tarde. Não para o regime, que continuou, mudado, sob Marcello Caetano, mas para o próprio Salazar, que acabava, politicamente, e que, dois anos depois, morria físicamente, ao mesmo tempo que Almada Negreiros. O mesmo Almada que dissera, um dia:

as pessoas que eu admiro são aquelas que nunca acabam."

sexta-feira, julho 04, 2008

QUE FITA VAI HOJE? - POST-SCRIPTUM

Em conversa com um amigo, falando de Paul Auster, e de como está longísimo de ser um escritor dilecto de qualquer de nós, lembrei-me de que me tinha esquecido, a propósito do conto de Ambrose Bierce An Incident at Owl Creek's Bridge e das suas adaptações ou derivações cinematográficas, do filme cometido por Auster, com o título Lulu On The Bridge (1998), uma razoável pessegada, em que é desperdiçado o talento de alguns dos nossos actores preferidos, como Harvey Keitel, Mira Sorvino e William Dafoe. Aqui fica a lembrança do esquecimento.

QUE FITA VAI HOJE? - DESTRAVADOS

No canal Hollywood, um a seguir ao outro, às 21.30 e às 23.15, dois filmes do realizador Barry Sonnenfeld: Jogos quase perigosos (Get Shorty, 1995) e Homens de negro (Men In Black - MIB, 1997). O primeiro é outra excelente adaptação dum livro de Elmore Leonard, que tem tido muita sorte nesta sua segunda carreira hollywoodense, como autor de best-sellers levados à tela; Travolta, numa segunda carreira não menos afortunada, interpreta o protagonista como se tivesse nascido para o papel. O segundo, é uma fantasia futurista realizada com verve - com a ajuda do enorme Tommy Lee Jones (Vincent d'Onofrio desempenha lindamente um dos principais papéis secundários; d'Onofrio, entretanto, personificou no cinema, em The Whole Wide World (1996) um filme que não sei se estreou em Portugal, o romancista Robert E. Howard, autor dos livros de Conan e membro do "Lovecraft Circle", um pequeno grupo de admiradores e amigos de H.P. Lovecraft, um nome que não precisa, acho eu, de apresentação: em Portugal a colecção Vampiro publicou um dos romances de Howard Philips Lovecraft, The Case of Charles Dexter Ward - com o evocativo título Os mortos podem voltar - e o hoje famoso Michel Houellebecq publicou em tempos um ensaio sobre este escritor "maldito"). No TCM - cuja informação ora se vê ora desaparece - passa hoje Reckless (1984), às 21.45: não sei que tal é (foi dirigido por um realizador interessante e pouco visto, James Foley) mas lembrou-me outro filme um bocado mais antigo, com Jean Harlow, dirigido por Victor Fleming em 1934, com o mesmo título. Há vários filmes, canções, grupos musicais, etc., assim chamados. Em português a palavra pode traduzir-se, entre outras possíveis traduções menos plebeias, por "destravado". Divirtam-se.

SALAZAR EM GRANDE E PEQUENO - 3: AS ÉPOCAS DE SALAZAR (I)

"Mais do que em “regime de Salazar” ou “Salazarismo”, há que falar em “épocas” do sistema político em causa.
O período de 28 de Maio de 1926 a 5 de Julho de 1932 é o do estabelecimento das bases e legitimidades.
É aqui que Salazar passa de tecnocrata a político, de “mero” reconstrutor das finanças públicas a teorizador das tarefas do Estado, de disciplinador orçamental e fiscal, a estratego da nacionalidade. O seu braço de ferro com Sinel de Cordes, em 1928, a propósito das condições dos primeiros empréstimos internacionais putativos, traça, antes da letra, uma linha de rumo de conduta do estado. Podemos hoje discutir as razões reais de recusa das condições impostas pelo ágio exterior, mas a justificação oficial foi sempre a de não-humilhação nacional, da manutenção do tecido social, da soberania operativa, e da capacidade de decisão económica.
Se fica ali logo traçada a estrutura básica de auto-determinação internacional, delimita-se o clima interno, político-institucional e “ideológico”, no discurso de 23 de Novembro de 1932. Eis que se declaram os partidos contrários ao estado revolucionário, e em que se dissuadem “direitas” e “esquerdas” de ensaiar a tomada do poder pela via das facções organizadas. É também nessa altura que Salazar pede a dissolução do Centro Católico, que o formara e onde militou. E não se pode esquecer que Salazar participou , activamente, na aventura de influenciar a junta militar no sentido “centrista”, longe da aliança pretoriana – proto-fascista ensaiada por Gomes da Costa.

De 1933 a 1945, o Estado Novo precisa de afirmar super-estruturas, e de ganhar um lugar no mundo. Em parte, por causa das guerras (de Espanha e Mundial), em parte por causa da pressão externa dos totalitarismos e das democracias.
Esta é a época da política de obras públicas, da propaganda mediática, da arte de estado, mas também da afinação jurídico-doutrinal. Começa esta, claro, com a Constituição Corporativa, e com uma série de elementos que, desagradando a gregos e troianos, afirmam o espaço próprio do novo regime.
O Estado Novo afirma-se subordinado à Moral, reconhece a Igreja e a história, mas abstém-se de restaurar a monarquia, e mantém o 5 de Outubro como feriado, mesmo se envergonhado. Isto é significativo, se tivermos em conta que o 28 de Maio se fez contra muito do espírito dessa efeméride, e que tinham decorrido apenas 23 anos sobre a revolução republicana.
Afirma-se antidemocrático e anti-liberal, mas rejeita o totalitarismo (1). Rejeita o pluralismo partidário, ilegaliza o PCP, mas fá-lo igualmente face ao nacional-sindicalismo de Rolão Preto, em 1934/35.
É também nesta altura que Salazar adapta as instituições do interregno, da Liga Patriótica “União Nacional” (criada em 1930, antes da sua chegada ao poder executivo máximo) à sucessora da Polícia Preventiva da Segurança do Estado (fundada pela Primeira República, para lutar contra a subversão política e a contestação social).
É deste período o famoso comentário do Secretário de Estado norte-americano, Dean Acheson, sobre a sua visita a Salazar, em plena segunda guerra. Descreve o chefe de governo português como:

(...) um ditador – gestor, empregado e mantido pelo poder do exército, para dirigir o país em benefício das classes médias, de onde provinha a maioria dos oficiais (2).

Acheson escreve que Salazar está mais próximo do estadista de Platão do que das democracias, mas que a ausência de “força excessiva” no governo o separa dos totalitarismos. O chefe da diplomacia americana, insuspeito, foi membro do Partido Democrata toda a vida, e opôs-se, mais tarde, veementemente e com coragem pessoal, à caça às bruxas do senador McCarthy."

quinta-feira, julho 03, 2008

NOSTALGIAS - INESQUECÍVEIS (OS COLE)



Estranho o papel que coisas inanimadas - livros, frases, músicas - têm nas nossas vidas. Este "Unforgettable" entrou na minha não sei bem como, recordou-me pessoas e situações.animou solidões e silêncios, ajudou a sonhar, a esquecer e a recriar.Unforgettable!

QUE FITA VAI HOJE? - O CHACAL

Hoje - ou, mais propriamente, às primeiras horas de amanhã - à 1.30, no Hollywood, é repetido O chacal (The Jackal, 1997), uma réplica actualizada do Chacal de Fred Zinneman, que revimos outro dia. O filme mais recente segue muito mais de perto do que eu tinha ideia a primeira versão.

SALAZAR EM GRANDE E PEQUENO - 2: O QUE É SER GRANDE

A seguir, o primeiro dos vários trechos deste ensaio do Nuno que anunciámos há uns dias:

"Deve observar-se, em primeiro lugar, que a pergunta “foi Salazar um grande português?” nunca terá uma resposta universalmente válida.
Desde logo, porque não existe, codificada ou comungada por um grupo suficientemente vasto (na história, ou na mesma época), a definição de “grande português”, a não ser que se confunda com a de “Português notável”. Agigantado no seu tempo, Salazar foi um português notado, mas essa é uma observação banal.
Depois porque a pergunta envolve, mal ou bem, um julgamento político-moral, que divide, mais do que une.
Salazar devia ter encerrado a colónia penal do Tarrafal, evitando o regresso aos processos expeditos de alguns figurões da Primeira República? E seria isso uma prioridade? Devia ter “descolonizado” antes ou depois de 1945? Devia ter autorizado partidos, e restaurado os de 1911? Devia ter declarado o regime monárquico, quando da chegada, com honras de estado, dos restos mortais de D. Manuel II? Devia ter viajado mais, ou menos? E dentro, ou fora?
Devia ter-se casado? Apegou-se demasiado, ou de menos, ao poder? E a quê: à sua capacidade de transformação, ou aos seus benefícios?
Há, no julgamento, centenas de tópicos de inquirição, em diversos modelos e situações. Mas convém dizer que, se tratássemos de um mero juízo técnico, por exemplo em torno do reconhecido saneamento financeiro do país, entre 1932 e 1945, talvez se pudesse dizer, sem dificuldade, que Salazar foi um “grande português”.
Mas, como sabemos, não é um juízo técnico que se pretende, nem ele é possível.
Em último lugar, a pergunta perde-se, porque “grande português” corresponde a uma visão global, sobre-humana, cientista e impossível do passado. Em boa verdade, entendendo-se que o processo da independência nacional é um todo coerente, só se pode passar juízo, e estabelecer balanço e contas...no fim da história.
Não estamos ainda na sua antevéspera, salvo melhor opinião."

quarta-feira, julho 02, 2008

QUE FITA VAI HOJE? - NEM TUDO

O canal Hollywood repete hoje à tarde alguns dos filmes da noite de ontem, mas não todos. Falta, por exemplo, Um amor inevitável (When Harry Met Sally, 1989, Rob Reiner), uma comédia romântica muitas vezes divertida, com trechos que lembram as comédias de Woody Allen em registo mais classe média, embora o argumento seja de uma "aristocrata" da cena intelectual nova-iorquina, Nora Ephron, em cujos filmes (também é realizadora; Sleeping in Seattle, por exemplo, ou You've Got Mail) ou filmes com argumento seu, tem aparecido Meg Ryan, protagonista também desta comédia - e da cena mais famosa do filme, o orgasmo fingido no meio de um restaurante. Rob Reiner - co-realizador do justamente célebre This Is Spinal Tap (1984, um rockumentary), a meias com Cristopher Guest, assinou também o impecável Misery (1990), uma das melhores adaptações de Stephen King e certamente o mais divertido filme de horror de todos os tempos. (Entre parênteses, o argumento de Misery foi escrito por William Goldman, argumentista premiado e muito talentoso e grande cronista do mundo do espectáculo, que "inventou" e pôs em circulação a frase nobody knows anything, que não se aplica só ao mundo do cinema de Hollywood.) À 02.25, no AXN, passa mais uma vez A força do poder (Scarface, 1983), de que não sou grande apreciador (Carlito's Way, 1993, do mesmo realizador, com o mesmo Al Pacino, dez anos depois, sem ser perfeito, é trinta vezes melhor na minha imodesta opinião). Mas foi o filme que nos apresentou Michelle Pfeiffer em todo o seu esplendor e isso faz perdoar muita coisa.

terça-feira, julho 01, 2008

QUE FITA VAI HOJE? - UM ERRO

Às 21.30, no Hollywood, passa uma das mais infelizes - entre as geralmente infelizes - versões americanas de filmes franceses: Encruzilhada (Intersection, 1994), em que Mark Rydell, com a ajuda de dois argumentistas sabedores, um deles Marshall Brickman, que colaborou muitas vezes com Woody Allen, tomou o lugar de Claude Sautet e produziu uma glamorosa mas muito pálida cópia do inesquecível filme do realizador francês, Les choses de la vie (As coisas da vida, 1970), escrito por ele e Jean-Loup Dabadie a partir de um livro de Paul Guimard. Vi-o nesses anos pela primeira vez, no desaparecido "Satélite", sala de "arte e ensaio" do antigo Monumental.