Os primeiros "liberais" propriamente ditos que conheci pessoalmente não eram portugueses nem os encontrei cá. Eram espanhóis e foi em Madrid que travei relações com eles na segunda metade dos anos 70. Tenho ideia que me foram apresentados por Martim Cabral . Um dos meus acompanhantes, a certa altura, nessa inesperada camaradagem, foi o António Marques Bessa, precursor de muitas admirações hoje na moda, mas pouco conhecido como profeta do liberalismo económico entre nós. Estivemos com esses nossos liberais na fase da criação do próprio Partido Liberal que chegou a existir em Espanha, até se diluir na UCD de Adolfo Suárez ou coisa parecida. Eram, principalmente, os irmãos Reig, Luis e Joaquín, de uma mais do que abastada família catalã, gente muito bem educada, hospitaleira e amabilíssima, donos de muita coisa - incluindo parcelas importantes da banca espanhola e uma editora que vendia livros por assinatura, a Unión Editorial. A UE publicou em Espanha os textos de Von Mises, Von Hayek, Milton Friedman, etc. Foram eles que me deram o
La Acción Humana, um grande livro de Mises. Não mo "deram", propriamente: venderam-mo. Não havia almoços grátis, a não ser quando nos abriam cordialmente as portas das suas casas para umas tertúlias muito agradáveis, divertidas e estimulantes, o que acontecia com generosa frequência. Estavam ligados a certos grupos liberais ingleses e à
Mount Pelerin Society e contavam com um pequeno grupo de economistas espanhóis da mesma persuasão, menos ou mais conhecidos- como Júlio Pascual e Pedro Schwartz. Em Portugal - tirando o caso de Orlando Vitorino e do seu grupo - nunca conheci ou ouvi falar de liberais até muito recentemente. Dá-se o caso que hoje, justamente, foi apresentado na FNAC do Chiado um livro do "Compromisso Portugal" (Alexandre Relvas, António Carrapatoso, Miguel Coutinho, Rui Ramos, V. Pulido Valente e outros) que se apresenta, no fundo, como um manifesto liberal, com o título
Revolucionários!. Vamos ler e comentar. Entretanto, logo de entrada no texto de Vasco Pulido Valente, publicado em parte no
Público desta manhã, lá se diz que em Portugal "a mudança (isto é, no caso, o liberalismo) veio de fora" - e pela força: "Foi o invasor, escreve VPV, que separou o Portugal velho do novo Portugal". Isto lembra-me duas coisas. A primeira, um estudo do meu pai, que saíu em folhetins no
Diário da Manhã, sobre o que ele chamou "A nossa guerra dos cem anos" (1826-1926) e que talvez valesse a pena desenterrar e publicar em livro. Em segundo lugar, a incompreensível tese, que se tornou habitual assestar como uma evidência a propósito da invasão do Iraque, de que "a democracia não se pode impôr à bomba", uma ideia que a história dos últimos três ou quatro séculos constantemente mostra ser precisamente o contrário dos factos, em particular na Europa do século XX. Pense-se na Guerra Civil americana (a primeira Guerra Total?), na Revolução Francesa, na República Portuguesa, na Democracia Alemã, na actual República Italiana, na V República ainda vigente em França, no Portugal actual, etc. Aquilo a que se costuma chamar "democracia" - sejam quais forem os seus méritos ou deméritos - é "à bomba" precisamente que tem sido quase sempre instaurado. Não é um argumento contra "a democracia", nem sequer a favor dela. Parece é de um "óbvio ululante".