sexta-feira, setembro 29, 2006
Na sua habitual e sempre excelente crónica do Spectator, "And Another Thing", Paul Johnson, anuncia que, depois dos seus livros sobre The Intelectuals e recentemente The Creators, colectâneas de ensaios biográficos sobre personagens-chave da História Moderna, vai publicar para o ano The Heroes e tem em preparação outro - The Monsters. Neste ocupa-se dos habituais "tiranos totalitários" - Mao, Staline, Hitler, mas também de outros, menos em vista na galeria dos "maus". São um pouco os "antecessores necessários", como Lenine, ou os maîtres-à-penser, os inspiradores, como J. P. Sartre, para os "assassinos francófonos". Johnson nunca desilude.
quinta-feira, setembro 28, 2006
28 de Setembro I
Em 28 de Setembro de 1974, usando o pretexto de uma manifestação ao então PR General Spínola, a "Esquerda Unida", articulada e comandada pelo PCP e suas cadeias de transmissão - MDP-CDE, MFA e toda a assembleia dos "inocentes úteis" e compagnons de route, procedeu à prisão de centenas de pessoas - ligadas aos "partidos de direita" - Partido do Progresso, Partido Liberal, aos jornais Bandarra e Tribuna Popular, quadros intelectuais, militares. A direita que se opunha à Descolonização e procurava democraticamente organizar-se, foi arbitrariamente presa, ou forçada ao exílio para evitar a prisão.
Na ocasião os partidos democráticos "duros" e "moles" deixaram as suas opiniões. Recordamos aqui o comunicado do PSD:
Na ocasião os partidos democráticos "duros" e "moles" deixaram as suas opiniões. Recordamos aqui o comunicado do PSD:
Memórias "antifascistas"
Há 32 anos centenas de pessoas foram presas sem culpa formada, a partir de listas de suspeitos ela boradas pelo PC e pelo COPCON. Os partidos "democráticos" referiram-se ao acontecimento, como não podia deixar de ser. Para a história da "dureza"da "direita mole", nos tempos duros para a direita dura", compensando "molezas" futuras, fica adiante o comunicado do PPD:
quarta-feira, setembro 27, 2006
Os "transnacionais"
Segundo o semanário O Sol, há 27% de portugueses que preferiam ser espanhóis; podem ir com Deus! E talvez sirvam para compensar a saída de vascos, catalães e galegos que não querem ser espanhóis. Deve dar ela por ela e feitas as contas ficamos a ganhar.
Também uma vez mais, do lado de cá, a brigada "ilustrada", "desempoeirada", sem "fantasmas", sorridente a ouvir J. M. Aznar em new look, se dedicou aos elogios grandiloquentes aos vizinhos. Para terem uma noção de como eles nos vêem, folheiem, com atenção, as edições de 3ª feira, 26 de Setembro de ABC, El País, El Mundo e La Vanguardia; em primeira página, nem uma referência; no interior, Cavaco Silva aparece, a propósito do anúncio da nova gravidez da Princesa das Astúrias, D. Letizia.
Total ignorância, quase desprezo.
Também uma vez mais, do lado de cá, a brigada "ilustrada", "desempoeirada", sem "fantasmas", sorridente a ouvir J. M. Aznar em new look, se dedicou aos elogios grandiloquentes aos vizinhos. Para terem uma noção de como eles nos vêem, folheiem, com atenção, as edições de 3ª feira, 26 de Setembro de ABC, El País, El Mundo e La Vanguardia; em primeira página, nem uma referência; no interior, Cavaco Silva aparece, a propósito do anúncio da nova gravidez da Princesa das Astúrias, D. Letizia.
Total ignorância, quase desprezo.
"Esquerda trágica"
"Uma esquerda agnóstica, adulta, sem bons nem maus, aliviada dos andaimes carunchosos do consolo moral. Sem complexo de superioridade. Sem pedestal providencial donde olhar sobranceiramente o povo, como libertador, ou as populações, como colonizador. Esse progressismo modesto saberá que nada lhe é devido, mas não de que será feito o depois de amanhã. O Bem absoluto e o Mal radical não são da sua competência. Só conhece o mal menor. Uma esquerda trágica seria uma esquerda que assumisse a sua parte de injustiça, que aceitasse partilhar a estupidez e a inteligência com os outros, porque sabe que os seus adversários também têm boas razões."
Régis Debray, "Pour une gauche tragique", Supplique aux nouveaux progressistes du siècle XXI, 2006)
Régis Debray, "Pour une gauche tragique", Supplique aux nouveaux progressistes du siècle XXI, 2006)
segunda-feira, setembro 25, 2006
Antropologia política
O pessimista: O historiador inglês Tawney, à pergunta sobre se, no decurso da sua longa vida tinha observado progresso:
"Yes, in the deportment of dogs. Dogs were much worse behaved when I was a boy".
A optimista: "O bom de falar de sexo é que uma pessoa nunca se cansa. Pode cansar-se de fazer, mas de falar sobre o tema é que não, até porque dá muito menos trabalho".
Margarida Rebelo Pinto, O Sol, 16.09.06.
A realista: "Un convenio que tendremos que rectificar... Que es para coger dinero, coño!"
Palavres da ex-alcaide de Marbella, Marisol Yague, à sua colega Isabel Garcia Marcos, a respeito de um suborno em curso; a gravação nas escutas telefónicas levou as duas à prisão.
"Yes, in the deportment of dogs. Dogs were much worse behaved when I was a boy".
A optimista: "O bom de falar de sexo é que uma pessoa nunca se cansa. Pode cansar-se de fazer, mas de falar sobre o tema é que não, até porque dá muito menos trabalho".
Margarida Rebelo Pinto, O Sol, 16.09.06.
A realista: "Un convenio que tendremos que rectificar... Que es para coger dinero, coño!"
Palavres da ex-alcaide de Marbella, Marisol Yague, à sua colega Isabel Garcia Marcos, a respeito de um suborno em curso; a gravação nas escutas telefónicas levou as duas à prisão.
sexta-feira, setembro 22, 2006
Joachim Fest
Morte de Joachim Fest (1926-2006), que em 1973 publicou uma monumental biografia de Hitler. Fest representa o intelectual católico conservador, para quem há valores que não cedem aos poderes deste mundo. O seu último trabalho em vida foi o livro dos dias finais de Hitler e do III Reich que inspiraram A Queda. Precisamente na semana da sua morte, saía a sua autobiografia Ich nicht.
Comparar com as flutuações de Günther Grass, entretanto um autor de que francamente gosto... Fest morreu de cancro, em 11 de Setembro, em Kronberg im Taunus. Prometemos falar mais dele, no próximo número de Futuro Presente.
Comparar com as flutuações de Günther Grass, entretanto um autor de que francamente gosto... Fest morreu de cancro, em 11 de Setembro, em Kronberg im Taunus. Prometemos falar mais dele, no próximo número de Futuro Presente.
quinta-feira, setembro 21, 2006
"Nouvelles de Siam"
Um golpe de Estado militar é coisa rara nos tempos que correm. Dantes, nos anos 60 e 70, eram imensos e quase a regra de acesso ao poder na América Latina, na África e até na Ásia.
Este golpe tailandês é um "bem raro" e, aliás, incruento. É o costume local. É o 18º no país (o último foi há quinze anos). Derruba um primeiro-ministro, ausente em Nova Iorque para a Assembleia Geral da ONU. (Os provérbios peninsulares são claros, nesta matéria. "Quem vai ao mar, perde o lugar" e "Te vas a Sevilla te quedas sin tu silla!".
O facto é que os sianeses são extremamente civilizados, o que se vê até pelos seus nomes: o Rei Bhumibol Adulyadej, casado, como se lembrarão os rapazes do meu tempo, com a lindíssima, rainha Sirikit. Intervenientes principais do coup d'État incruento: o CEM/Exército - general Sondhi Boonyaratkalin - autor material do golpe; o general Prem Tinsulamonda, conselheiro do Rei e sombra da Coroa; e o PM expelido Thaksin Shinawatra!
Este golpe tailandês é um "bem raro" e, aliás, incruento. É o costume local. É o 18º no país (o último foi há quinze anos). Derruba um primeiro-ministro, ausente em Nova Iorque para a Assembleia Geral da ONU. (Os provérbios peninsulares são claros, nesta matéria. "Quem vai ao mar, perde o lugar" e "Te vas a Sevilla te quedas sin tu silla!".
O facto é que os sianeses são extremamente civilizados, o que se vê até pelos seus nomes: o Rei Bhumibol Adulyadej, casado, como se lembrarão os rapazes do meu tempo, com a lindíssima, rainha Sirikit. Intervenientes principais do coup d'État incruento: o CEM/Exército - general Sondhi Boonyaratkalin - autor material do golpe; o general Prem Tinsulamonda, conselheiro do Rei e sombra da Coroa; e o PM expelido Thaksin Shinawatra!
quarta-feira, setembro 20, 2006
Cuidado com a erudição
Bento XVI, que além de chefe da Igreja é também um intelectual e um académico rigoroso, tem, nestes tempos de hiperpolitização e paixão clubista demagógica, que recorrer à virtude, mais política que teologal, da prudência... Ao citar o bizantino Paleólogo, que conhecia de perto o perigo dos turcos, desencadeou mais um episódio da "GUERRA DAS CIVILIZAÇÕES". Erudito sofre.
Chassez le naturel
Pistas para um estudo sócio-cultural: todos os chamados "condomínios privados" (por oposição aos públicos?) que proliferam em Lisboa têm nomes como "Infante à Lapa", "Espaço do Infante", "Paços do Duque", "Terraços de Bragança", "Palácio das Janelas Verdes", etc.
Breves 2
Jornais: Acabam uns e começam outros; há "novos" e outros que procuram renovar-se, à medida (também) da concorrência. O resultado: formatos menores - "tabloidizando-se" - mais bonecos, textos mais curtos. Procura-se um consumidor-tipo que "não tem tempo" ou "não gosta" de ler, ou não tem paciência.
Serve-se-lhe depois, um buffet froid e light, coisinhas. O mundo com (pequeno) espectáculo e com brindes. Depois escandalizam-se com o desastre educativo e a baixa literacia.
Cidade eterna: Não me canso de Roma. Passei lá, dois dias de cada vez, em Junho; e em Julho a caminho de Split, na Croácia. Voltei lá na semana passada. Tenho o meu hotel de 20 anos, o Sant'Anna, no Borgho Pio, e depois ando a pé, faço o itinerário até à Piazza del Popolo, a Via Condotti, a Piazza di Spagna, a Babuino com os seus antiquários nem sempre seguros, a loja da militaria. E no fim uma volta nos livros da Feltrinelli, ainda com os retratos dos anos dourados da esquerda intelectual italiana - do Moravia, do próprio Feltrinelli acompanhados pelo tipo de mulheres bonitas da época, estilo Michèlle Morgan a fazerem a transição para Claudia Cardinale.
Compro filmes antigos em DVD: Tótós, Alberto Sordi, e coisas mais sérias: um documentário de Marcello Mastroiani, "Mi ricordo, si io mi ricordo"; uma autobiografia, aliás filmada em Portugal, nos intervalos da filmagem de Viagem ao princípio do mundo de Manuel de Oliveira; e I Ciano: recorrendo ao riquíssimo arquivo do Instituto Luce, Nicola Caracciolo reconstituiu a história de Eda e Galeazzo Ciano, em edição do Instituto Luce, 2005. Uma tragédia bem italiana.
Leio o nº 3 de 2006 de Limes - a magnífica "revista italiana de geopolítica". É temática, sobre a África subsahariana e como sempre uma monografia actualíssima, crítica, sem as correcções políticas que invadiram também estes estudos. O director executivo de Limes é Lucio Caracciolo, e a publicação integra-se no Grupo Expresso. (site: http://www.limesonline.com).
Decadência do "star system": Oitenta anos da morte de Rodolfo Valentino; o funeral foi em Agosto de 1926, em Nova Yorque, descendo a Broadway, um cortejo impressionante com motociclistas e polícias a cavalo, pelo meio de multidões que gritavam "Goodbye Rudy". Com ele e com Mary Pickford e William S. Hart e Douglas Fairbanks tinha nascido, no cinema, o star system. As grandes produções do mudo, consolidadas com o famoso Birth of a Nation de Griffith (1915), marcaram o sistema, que nos anos 20 seria prosseguido por Cecil B. de Mille, Chaplin e os "artistas" - John Gilbert, Gloria Swanson, Lilian Gish. As vidas pessoais dos actores passaram a interessar como "ídolos" e "ícones".
Também aí acabámos aqui e agora nas revistas côr-de-rosa, temos essencialmente as Elsas Raposos, e respectivos "condes", "barões" e condes-barões
Serve-se-lhe depois, um buffet froid e light, coisinhas. O mundo com (pequeno) espectáculo e com brindes. Depois escandalizam-se com o desastre educativo e a baixa literacia.
Cidade eterna: Não me canso de Roma. Passei lá, dois dias de cada vez, em Junho; e em Julho a caminho de Split, na Croácia. Voltei lá na semana passada. Tenho o meu hotel de 20 anos, o Sant'Anna, no Borgho Pio, e depois ando a pé, faço o itinerário até à Piazza del Popolo, a Via Condotti, a Piazza di Spagna, a Babuino com os seus antiquários nem sempre seguros, a loja da militaria. E no fim uma volta nos livros da Feltrinelli, ainda com os retratos dos anos dourados da esquerda intelectual italiana - do Moravia, do próprio Feltrinelli acompanhados pelo tipo de mulheres bonitas da época, estilo Michèlle Morgan a fazerem a transição para Claudia Cardinale.
Compro filmes antigos em DVD: Tótós, Alberto Sordi, e coisas mais sérias: um documentário de Marcello Mastroiani, "Mi ricordo, si io mi ricordo"; uma autobiografia, aliás filmada em Portugal, nos intervalos da filmagem de Viagem ao princípio do mundo de Manuel de Oliveira; e I Ciano: recorrendo ao riquíssimo arquivo do Instituto Luce, Nicola Caracciolo reconstituiu a história de Eda e Galeazzo Ciano, em edição do Instituto Luce, 2005. Uma tragédia bem italiana.
Leio o nº 3 de 2006 de Limes - a magnífica "revista italiana de geopolítica". É temática, sobre a África subsahariana e como sempre uma monografia actualíssima, crítica, sem as correcções políticas que invadiram também estes estudos. O director executivo de Limes é Lucio Caracciolo, e a publicação integra-se no Grupo Expresso. (site: http://www.limesonline.com).
Decadência do "star system": Oitenta anos da morte de Rodolfo Valentino; o funeral foi em Agosto de 1926, em Nova Yorque, descendo a Broadway, um cortejo impressionante com motociclistas e polícias a cavalo, pelo meio de multidões que gritavam "Goodbye Rudy". Com ele e com Mary Pickford e William S. Hart e Douglas Fairbanks tinha nascido, no cinema, o star system. As grandes produções do mudo, consolidadas com o famoso Birth of a Nation de Griffith (1915), marcaram o sistema, que nos anos 20 seria prosseguido por Cecil B. de Mille, Chaplin e os "artistas" - John Gilbert, Gloria Swanson, Lilian Gish. As vidas pessoais dos actores passaram a interessar como "ídolos" e "ícones".
Também aí acabámos aqui e agora nas revistas côr-de-rosa, temos essencialmente as Elsas Raposos, e respectivos "condes", "barões" e condes-barões
terça-feira, setembro 19, 2006
Recordar é viver
Releio a famosa entrevista de Oriana Fallaci com Álvaro Cunhal (em versão publicada na revista espanhola Gaceta Ilustrada, 22 de Junho de 1975, umas páginas já amarelecidas que nesta hora da morte recente da jornalista me caíram nas mãos ao remexer em papéis velhos, vantagens das mudanças).
Comentando as eleições acabadas então de realizar, Cunhal diz a certa altura: "Se pensa que o Partido Socialista com os seus 40% de votos e o partido popular democrático com os seus 27% constituem a maioria está a cometer um erro. Não têm a maioria". "Está a brincar Cunhal? – contesta a jornalista. Ou a matemática é uma questão de opinião?". "Estou a afirmar – replica Cunhal – que as eleições não têm nada, ou muito pouco, a ver com a dinâmica revolucionária..." e por aí fora. "Pluralismo, sim, mas de Esquerda", como escrevia por essa altura Baptista Bastos.
Histórias tão banais como a verdade sobre o defunto regime soviético, antes, durante e depois do consulado de José Estaline – ou sobre o felizmente vivo regime de Fidel Castro – mas parece que é preciso estar sempre a lembrar o que foi e o que é o "socialismo real" – construído sempre – esta é a parte importante – pelos doutrinadores do "socialismo ideal".
Comentando as eleições acabadas então de realizar, Cunhal diz a certa altura: "Se pensa que o Partido Socialista com os seus 40% de votos e o partido popular democrático com os seus 27% constituem a maioria está a cometer um erro. Não têm a maioria". "Está a brincar Cunhal? – contesta a jornalista. Ou a matemática é uma questão de opinião?". "Estou a afirmar – replica Cunhal – que as eleições não têm nada, ou muito pouco, a ver com a dinâmica revolucionária..." e por aí fora. "Pluralismo, sim, mas de Esquerda", como escrevia por essa altura Baptista Bastos.
Histórias tão banais como a verdade sobre o defunto regime soviético, antes, durante e depois do consulado de José Estaline – ou sobre o felizmente vivo regime de Fidel Castro – mas parece que é preciso estar sempre a lembrar o que foi e o que é o "socialismo real" – construído sempre – esta é a parte importante – pelos doutrinadores do "socialismo ideal".
Quod erat demonstrandum?
O "mundo islâmico" tem-se desdobrado em protestos a propósito de umas já célebres palavras do Papa na Baviera. Transcrevemos a seguir uma proclamação sunita – aparentemente subscrita também pela secção iraquiana do Al Qaida – muito na linha dos textos desta organização e de outras da mesma ou semelhante persuasão, ou dos sermões de certas mesquitas do Cairo, de Inglaterra ou de França:
"Destruiremos a cruz e cortaremos a garganta dos que acreditam na cruz". "Infiéis e déspotas – diz mais a proclamação – continuaremos a nossa Jihad e não nos deteremos até que Deus nos permita cortar-vos os pescoços e levantar a ondeante bandeira do monoteísmo", etc. "A conversão ou a espada".
Esperamos que alguém exija a estes grupos um pedido público de desculpas por caluniarem o Islão.
"Destruiremos a cruz e cortaremos a garganta dos que acreditam na cruz". "Infiéis e déspotas – diz mais a proclamação – continuaremos a nossa Jihad e não nos deteremos até que Deus nos permita cortar-vos os pescoços e levantar a ondeante bandeira do monoteísmo", etc. "A conversão ou a espada".
Esperamos que alguém exija a estes grupos um pedido público de desculpas por caluniarem o Islão.
Ainda o 11 de Setembro
No 11 de Setembro de 2000 eu estava em Londres - tinha chegado na véspera, a 10, de Lisboa. De manhã encontrei-me em Knightsbridge com o Gen. João de Matos. E depois segui para Heathrow par o voo BA para Washington DC, onde tinha, no dia 12 um encontro com Walter Kansteiner, Secretário de Estado Adjunto para os Assuntos Africanos.
Fiz o check-in e fui agradavelmente surpreendido por um upgrading espontâneo de Business para First Class. Estava a dar uma volta pelas lojas para matar o tempo e um empregado bem educado, diz-me ao ver o meu ticket: "Apparently, there is some trouble in New York, Sir!"
"What kind of trouble?"
"Terrorist attack, or alike. But not a big deal, I guess".
He guessed wrong!
Entrei no avião, olhei a minha aerodinâmica cadeira-cama da First; eram 2.40 pm, mais ou menos. Toca o móvel que ainda não desligara, e a minha secretária de Lisboa, fala-me, em pânico, diz-me para não embarcar pois os Estados Unidos estão sob um grande ataque!
Logo lhe digo que, se fôr tão grave, nem eu nem ninguém embarcará para lá. E desliguei.
Depois chequei com a família, a Zézinha estava no Panamá, numa reunião da Secib, os filhos em Lisboa. Fui tendo pormenores pois todos estavam já colados à televisão.
Toda a gente, por esta altura, no avião, falava pelos celulares, e recebia chamadas. Após alguns minutos, mandaram-nos sair e recolher a bagagem. Com sentido prático liguei para a agência de viagens, marcando um bilhete para Lisboa, no primeiro avião. E assim, recolhi a bagagem, fiz o check-in para Lisboa, num princípio de caos, e regressei, filosofando no voo, com o Fernando Ulrich, que estava a voltar de Londres, sobre o futuro do mundo...
Cheguei a casa e vi na TV aquelas imagens, depois vistas centenas de vezes, de uma espécie de miragem tirada da capa de um romance de science-fiction da idade dourada: céu azul, como os céus imaginados do Asimov na Fundação ou do Bradbury; Nova Iorque como um quadro do Edward Hopper, uma manhã de Verão tardio, e um avião, como se fosse um modelo de brincar, e embater em Babel.
Acordei a 12, a trautear, inconscientemente, o God Bless America e pensei que tínhamos entrado noutro capítulo; como outros pensaram em Outubro de 17, ou Agosto de 45 ou no Verão da chegada à Lua; e como em Portugal, mais modestamente, uns viram o dia em que Salazar saiu do governo, o 25 de Abril e o 27 de Julho de 74, quando o Spínola oficializou o fim do Império Português.
Pensando a cinco anos:
A primeira reacção - a campanha do Afeganistão - foi certa, no tempo, lugar, objectivo, na estratégia e na táctica; em atacar o inimigo, no seu centro, no não-Estado Talibã. Fazê-lo por todos os meios, com bombardeiros e heli-canhões, "botas no chão" de forças especiais, agentes da CIA com malas de dólares para os war lords. Fazê-lo bem e depressa, com o apoio de todo o mundo, de Londres e Paris ao Cairo e a Moscovo.
Depois a efabulação ideológica e os interesses de Estados que não o Estado norte-americana entram em jogo e foi a marcha para a invasão do Iraque - a guerra errada no tempo errado. Esclareça-se que o meu qualificativo de "guerra errada" não tem nada a ver com a "ilegitimidade" internacionalista - aprovação da ONU, dos espíritos bem-pensantes ou p.c. Tem sim a ver com o seguinte:
Já antes, mas mais depois do 11-S, o grande perigo para o mundo civilizado vem do macroterrorismo fanático, de base não estatal, isto é fragmentado, errático, ideológico. São preferíveis Estados, mesmo Rogue States, a não Estados - ou áreas caóticas como a Somália, ou o Iraque "libertado". Sadam Hussein era um tipo pouco recomendável, os filhos uns assassinos paranóicos, mas se fôssemos a aplicar essa regra para atacar governos, desconfio que talvez metade dos regimes no poder fora da OCDE teriam que ser invadidos em nome dos direitos do homem ou da anti-corrupção.
Além disso, a máquina de guerra americana, magnífica para a campanha do Iraque, não está preparada para ser uma força de ocupação e polícia. E quando, com o zelo depurador, o Sr. Bremer, licenciou as Forças Armadas e de Segurança iraquianas, abriu um buraco cósmico, que além de dezenas de milhar de iraquianos assassinados à faca, tiro e bomba entre si, já quase matou mais de 2000 soldados americanos e aliados.
E as alternativas não são famosas: ou o Iraque se divide em três - os curdos no Norte e uma partilha territorial complicadíssima entre os shiitas e sunitas no resto do país. Ou para ficar unido irá progressivamente ter que aplicar o estado de excepção, através dos militares e forças policiais, acabando num regime autoritário, pré-ditatorial. De que os ocidentais serão aliados e terão que apoiar, por muito tempo, pelo menos em termos de forças aéreas e forças convencionais pesadas. E no fim - Sadam Hussein.
Sadam Hussein, aliás, estava tranquilo e não esperava pela guerra pois comungava daquela crença básica de que os interesses dos Estados Unidos, que o tinham ajudado como paladino anti-fundamentalista, passavam por mantê-lo no poder. E que ele não tinha ligações nem com a Al-Qaeda, nem com armas de destruição maciça. Ele sabia e pensava, que os americanos sabiam, e que só por estupidez o atacariam.
Hitler tinha feito a mesma análise com os ingleses! É sempre perigoso achar que conhecemos "objectivamente" os interesses de outros países melhor que eles.
Fiz o check-in e fui agradavelmente surpreendido por um upgrading espontâneo de Business para First Class. Estava a dar uma volta pelas lojas para matar o tempo e um empregado bem educado, diz-me ao ver o meu ticket: "Apparently, there is some trouble in New York, Sir!"
"What kind of trouble?"
"Terrorist attack, or alike. But not a big deal, I guess".
He guessed wrong!
Entrei no avião, olhei a minha aerodinâmica cadeira-cama da First; eram 2.40 pm, mais ou menos. Toca o móvel que ainda não desligara, e a minha secretária de Lisboa, fala-me, em pânico, diz-me para não embarcar pois os Estados Unidos estão sob um grande ataque!
Logo lhe digo que, se fôr tão grave, nem eu nem ninguém embarcará para lá. E desliguei.
Depois chequei com a família, a Zézinha estava no Panamá, numa reunião da Secib, os filhos em Lisboa. Fui tendo pormenores pois todos estavam já colados à televisão.
Toda a gente, por esta altura, no avião, falava pelos celulares, e recebia chamadas. Após alguns minutos, mandaram-nos sair e recolher a bagagem. Com sentido prático liguei para a agência de viagens, marcando um bilhete para Lisboa, no primeiro avião. E assim, recolhi a bagagem, fiz o check-in para Lisboa, num princípio de caos, e regressei, filosofando no voo, com o Fernando Ulrich, que estava a voltar de Londres, sobre o futuro do mundo...
Cheguei a casa e vi na TV aquelas imagens, depois vistas centenas de vezes, de uma espécie de miragem tirada da capa de um romance de science-fiction da idade dourada: céu azul, como os céus imaginados do Asimov na Fundação ou do Bradbury; Nova Iorque como um quadro do Edward Hopper, uma manhã de Verão tardio, e um avião, como se fosse um modelo de brincar, e embater em Babel.
Acordei a 12, a trautear, inconscientemente, o God Bless America e pensei que tínhamos entrado noutro capítulo; como outros pensaram em Outubro de 17, ou Agosto de 45 ou no Verão da chegada à Lua; e como em Portugal, mais modestamente, uns viram o dia em que Salazar saiu do governo, o 25 de Abril e o 27 de Julho de 74, quando o Spínola oficializou o fim do Império Português.
Pensando a cinco anos:
A primeira reacção - a campanha do Afeganistão - foi certa, no tempo, lugar, objectivo, na estratégia e na táctica; em atacar o inimigo, no seu centro, no não-Estado Talibã. Fazê-lo por todos os meios, com bombardeiros e heli-canhões, "botas no chão" de forças especiais, agentes da CIA com malas de dólares para os war lords. Fazê-lo bem e depressa, com o apoio de todo o mundo, de Londres e Paris ao Cairo e a Moscovo.
Depois a efabulação ideológica e os interesses de Estados que não o Estado norte-americana entram em jogo e foi a marcha para a invasão do Iraque - a guerra errada no tempo errado. Esclareça-se que o meu qualificativo de "guerra errada" não tem nada a ver com a "ilegitimidade" internacionalista - aprovação da ONU, dos espíritos bem-pensantes ou p.c. Tem sim a ver com o seguinte:
Já antes, mas mais depois do 11-S, o grande perigo para o mundo civilizado vem do macroterrorismo fanático, de base não estatal, isto é fragmentado, errático, ideológico. São preferíveis Estados, mesmo Rogue States, a não Estados - ou áreas caóticas como a Somália, ou o Iraque "libertado". Sadam Hussein era um tipo pouco recomendável, os filhos uns assassinos paranóicos, mas se fôssemos a aplicar essa regra para atacar governos, desconfio que talvez metade dos regimes no poder fora da OCDE teriam que ser invadidos em nome dos direitos do homem ou da anti-corrupção.
Além disso, a máquina de guerra americana, magnífica para a campanha do Iraque, não está preparada para ser uma força de ocupação e polícia. E quando, com o zelo depurador, o Sr. Bremer, licenciou as Forças Armadas e de Segurança iraquianas, abriu um buraco cósmico, que além de dezenas de milhar de iraquianos assassinados à faca, tiro e bomba entre si, já quase matou mais de 2000 soldados americanos e aliados.
E as alternativas não são famosas: ou o Iraque se divide em três - os curdos no Norte e uma partilha territorial complicadíssima entre os shiitas e sunitas no resto do país. Ou para ficar unido irá progressivamente ter que aplicar o estado de excepção, através dos militares e forças policiais, acabando num regime autoritário, pré-ditatorial. De que os ocidentais serão aliados e terão que apoiar, por muito tempo, pelo menos em termos de forças aéreas e forças convencionais pesadas. E no fim - Sadam Hussein.
Sadam Hussein, aliás, estava tranquilo e não esperava pela guerra pois comungava daquela crença básica de que os interesses dos Estados Unidos, que o tinham ajudado como paladino anti-fundamentalista, passavam por mantê-lo no poder. E que ele não tinha ligações nem com a Al-Qaeda, nem com armas de destruição maciça. Ele sabia e pensava, que os americanos sabiam, e que só por estupidez o atacariam.
Hitler tinha feito a mesma análise com os ingleses! É sempre perigoso achar que conhecemos "objectivamente" os interesses de outros países melhor que eles.
domingo, setembro 17, 2006
O Sol
Gostaram do novo semanário O Sol? Confesso que, depois de tantas expectativas, fiquei um pouco desiludido. Falta política internacional, falta uma boa secção cultural, falta uma crítica de livros como deve ser. Faltarão até mais artigos de opinião. Em todo o caso, é bom termos de volta a escrita de Paulo Portas.
Oriana Fallaci
Acabamos de saber da notícia do falecimento de Oriana Fallaci. Trata-se de uma perda para o mundo, sobretudo num momento em que tanta falta nos faz ouvir a sua voz corajosa e irreverente. Não esqueceremos que foi ela quem, na ocasião dos ataques do 11 de Setembro, disse as verdades que muitos pensavam mas que ninguém se atrevia a escrever. Ficará, assim, para a posteridade, o seu exemplo e, entre outras obras suas, o livro A Raiva e o Orgulho, publicado entre nós pela Difel.
Sobre a Tortura
A questão da tortura volta, infelizmente, a ser um tema actual. Desde há já uns anos que vimos assistindo a um desenrolar de confissões sobre o recurso a esta prática em conflitos mais ou menos recentes, mas agora o tema chega também às guerras modernas, ao mesmo tempo que se multiplicam nos jornais as referências a voos secretos da CIA, transportando prisioneiros para prisões misteriosas, a abusos físicos em campos de detenção como é o caso de Guantánamo ou a prisão iraquiana de Abu Ghraib. O próprio Presidente Bush veio recentemente à televisão referir que a tortura não era permitida no seu país e que as forças americanas estavam apenas autorizadas ao recurso a algumas medidas de coerção física, que não eram susceptíveis de poderem ser consideradas como tal. Estas práticas, aliás, seriam comuns à maior parte dos "serviços especiais".
Contudo, analisadas essas práticas, que são descritas e que vão desde a privação do sono, às simulações de afogamento ou à colocação do prisioneiro em celas a baixas temperaturas, verifica-se que elas são as mesmas pelas quais diversos serviços de informações ou polícias políticas do pós-guerra foram acusados de tortura.
Nos últimos tempos assistimos a diversas confissões de generais franceses sobre a utilização da tortura durante a Guerra da Argélia; países como Portugal e Espanha também têm amplamente abordado o tema; só na União Soviética e nos países comunistas parece que nunca se recorreu a ela.
Apesar destas formas de fazer história, marcadas pelas contradições e pelo descaramento mais absoluto, podemos hoje em dia ler alguns textos sérios sobre a matéria. É o caso, por exemplo, de Michael Ignatieff, um autor insuspeito, que vem publicamente interrogar-se sobre se estas práticas não serão, afinal, necessárias à prevenção de males maiores, sobretudo quando estes põem em perigo a vida de inocentes. De facto, em What if Torture works?, publicado no número de Abril da revista britânica Prospects, Ignatieff analisa o problema para concluir que o recurso à tortura não é legítimo, mas que os que defendem esta posição devem estar preparados para alguns problemas morais, caso ocorra um atentado que cause baixas e que pudesse ter sido evitado com o recurso a medidas mais "eficientes".
Outra perspectiva interessante é a que Vladimir Volkoff nos dá no seu livro póstumo Le Tortionnaire. Aí, a grande interrogação que se coloca é, uma vez mais, a mesma: saber até que ponto é legítimo o uso da força para forçar um inimigo a revelar-nos os seus segredos e, dessa forma, salvar vidas inocentes.
A acção passa-se durante a Guerra da Argélia, quando o Tenente Robert Lavilhaud, um jovem oficial reservista, é chamado a prestar serviço no CROP - Commando Régional Opérationnel de Protection, um serviço especial dedicado à obtenção das informações necessárias à condução da guerra e que recorre, sistematicamente, à tortura para cumprir os seus objectivos. Ora, a formação católica deste jovem tenente não lhe permite usar tais métodos, pelo que vai apostar noutras formas de levar a cabo a sua missão. Abandonando a coerção física, vai recorrer antes a métodos mais "psoicológicos" para obter a colaboração dos prisioneiros. Tudo isso, até que um dia, incapaz de prevenir um ataque terrorista que causa diversas vítimas mortais e que poderia ter sido evitado se tivesse sido mais duro no interrogatório de um determinado prisioneiro, acaba por ceder e recorrer à tortura.
Como todos os seus livros, Le Tortionnaire surge na altura certa e coloca diversas questões, que são importantes para a consciência de cada um de nós. O mesmo faz Michael Ignatieff: até onde se pode/deve ir? Como gerir o dilema entre os nossos princípios e a vontade de salvar vidas inocentes? Duas perspectivas importantes pela sua honestidade e que merecem ser lidas!
Contudo, analisadas essas práticas, que são descritas e que vão desde a privação do sono, às simulações de afogamento ou à colocação do prisioneiro em celas a baixas temperaturas, verifica-se que elas são as mesmas pelas quais diversos serviços de informações ou polícias políticas do pós-guerra foram acusados de tortura.
Nos últimos tempos assistimos a diversas confissões de generais franceses sobre a utilização da tortura durante a Guerra da Argélia; países como Portugal e Espanha também têm amplamente abordado o tema; só na União Soviética e nos países comunistas parece que nunca se recorreu a ela.
Apesar destas formas de fazer história, marcadas pelas contradições e pelo descaramento mais absoluto, podemos hoje em dia ler alguns textos sérios sobre a matéria. É o caso, por exemplo, de Michael Ignatieff, um autor insuspeito, que vem publicamente interrogar-se sobre se estas práticas não serão, afinal, necessárias à prevenção de males maiores, sobretudo quando estes põem em perigo a vida de inocentes. De facto, em What if Torture works?, publicado no número de Abril da revista britânica Prospects, Ignatieff analisa o problema para concluir que o recurso à tortura não é legítimo, mas que os que defendem esta posição devem estar preparados para alguns problemas morais, caso ocorra um atentado que cause baixas e que pudesse ter sido evitado com o recurso a medidas mais "eficientes".
Outra perspectiva interessante é a que Vladimir Volkoff nos dá no seu livro póstumo Le Tortionnaire. Aí, a grande interrogação que se coloca é, uma vez mais, a mesma: saber até que ponto é legítimo o uso da força para forçar um inimigo a revelar-nos os seus segredos e, dessa forma, salvar vidas inocentes.
A acção passa-se durante a Guerra da Argélia, quando o Tenente Robert Lavilhaud, um jovem oficial reservista, é chamado a prestar serviço no CROP - Commando Régional Opérationnel de Protection, um serviço especial dedicado à obtenção das informações necessárias à condução da guerra e que recorre, sistematicamente, à tortura para cumprir os seus objectivos. Ora, a formação católica deste jovem tenente não lhe permite usar tais métodos, pelo que vai apostar noutras formas de levar a cabo a sua missão. Abandonando a coerção física, vai recorrer antes a métodos mais "psoicológicos" para obter a colaboração dos prisioneiros. Tudo isso, até que um dia, incapaz de prevenir um ataque terrorista que causa diversas vítimas mortais e que poderia ter sido evitado se tivesse sido mais duro no interrogatório de um determinado prisioneiro, acaba por ceder e recorrer à tortura.
Como todos os seus livros, Le Tortionnaire surge na altura certa e coloca diversas questões, que são importantes para a consciência de cada um de nós. O mesmo faz Michael Ignatieff: até onde se pode/deve ir? Como gerir o dilema entre os nossos princípios e a vontade de salvar vidas inocentes? Duas perspectivas importantes pela sua honestidade e que merecem ser lidas!
quarta-feira, setembro 13, 2006
Direita, volver
O rótulo "direita" anda com imensa procura. Em certo sentido pode ser bom sinal. Mostra, talvez, que deram os seus frutos os esforços do que supomos que é o que alguns chamam sem grande precisão "direita dura"; temos de reconhecer que também contribuem para esta recente popularidade as tendências que se manifestam noutros quadrantes e o facto de que ser "de direita" já não dói quase nada e pode render alguma coisa. Mas tanto faz. Conta-se que um velho beirão a cuja porta passava, nos tempos ominosos da ditadura, um ruidoso cortejo de entusiastas do Estado Novo gritando "Salazar é nosso, Salazar é nosso!" lhes lançou: "Quem é que vos io’quer! Levandemdenoseú!": o combate político e cultural que interessa – na "batalha das ideias", como lhe chamava o saudoso cineasta comunista John Howard Lawson, com a gravidade que rodeava estas coisas nos tempos da nossa adolescência– não se trava pela posse de etiquetas.
Não é ficção científica:Nuno Galopim apanhado a copiar
Aqui no Futuro Presente – como o próprio nome da revista pode indiciar...- há muito quem aprecie a literatura chamada de "ficção científica" e outro géneros literários aparentados. Uns com mais entusiasmo e persistência, outros com menos: não deixo de dar razão a Thomas M. Disch, um escritor e crítico de fc que diz num dos seus livros, a que já nos referimos e citámos na revista, que a idade de ouro do género "são os doze anos". A nossa revista foi, por exemplo e sem ir mais longe, uma das primeiras publicações portuguesas a falar a sério de Philip K.Dick, no princípio dos anos 80 ("As ruínas espelhadas – A ficção de Philip K. Dick, de Nuno Rogeiro, nº 16/17); vamos publicar em breve uma entrevista com Ricardo Pinto, um autor português desta área literária, como já anunciámos noutro post.
Achamos muito bem que o suplemento cultural do DN que sai "à 6ª" e cujo editor é Nuno Galopim, tenha dedicado um boa parte das suas "Letras" da edição do passado dia 8 à fc, sob o título "O Choque do Futuro". Nestes trabalhos sobre o género – que podiam ser mais frequentes e mais interessantes do que são normalmente - há sempre alguma coisa que se aproveita. O que não achamos bem é que grande parte do que neste caso se publica, incluindo o "texto de Nuno Galopim", seja directamente palmado da Wikipedia (uma enciclopédia electrónica de livre acesso e colaboração aberta a toda a gente, que os frequentadores da internet bem conhecem decerto) sem qualquer referência à fonte, que é copiosa e literalmente traduzida para as páginas do jornal. Ainda por cima com erros de português.
Achamos muito bem que o suplemento cultural do DN que sai "à 6ª" e cujo editor é Nuno Galopim, tenha dedicado um boa parte das suas "Letras" da edição do passado dia 8 à fc, sob o título "O Choque do Futuro". Nestes trabalhos sobre o género – que podiam ser mais frequentes e mais interessantes do que são normalmente - há sempre alguma coisa que se aproveita. O que não achamos bem é que grande parte do que neste caso se publica, incluindo o "texto de Nuno Galopim", seja directamente palmado da Wikipedia (uma enciclopédia electrónica de livre acesso e colaboração aberta a toda a gente, que os frequentadores da internet bem conhecem decerto) sem qualquer referência à fonte, que é copiosa e literalmente traduzida para as páginas do jornal. Ainda por cima com erros de português.
segunda-feira, setembro 11, 2006
11 de Setembro
O camelo que está a cair atrai muitas facas (provérbio árabe, no dizer de Robert Ferrigno, um escritor americano que o usa como epígrafe do seu romance de política ficção Prayers for the assassin, publicado no princípio deste ano. É um romance de aventuras semi-policiais passado nos Estados Islâmicos da América, no ano 2040).
sexta-feira, setembro 08, 2006
Breves
I - Ler em The Atlantic de Setembro, (na autêntica, norte-americana) uma excelente peça de Christopher Hitchens, intitulada "Feckless Youth. What Kennedy magic?", que, na recensão de uma série de novos livros sobre JFK e o clã Kennedy um tema sempre "facturante", desmonta alguns dos mitos à volta da presidência. Desde a "mediática" crise cubana, que terminou em troca simétrica da retirada de mísseis americanos da Turquia e de Cuba, até aos assassinatos dos Diem, e à escalada do Vietname.
Para quem leu o magnífico Harlot's Ghost de Norman Mailer, que romanceou parte desta história, a partir de uma biografia ficcionada de James Jesus Angleton na contra-inteligência da CIA, isto não é novidade.
II - Também na mesma edição e a propósito de um itinerário sobre o Fim do Império Romano e do Último Imperador (não o de Bertolucci, mas Romulus Augustulus), Cullen Murphy faz uma evocação de Ravenna hoje, que nos vai levar lá, na primeira ocasião. Além do túmulo de Dante há toda uma outra monumentalidade desta "última capital" do Ocidente a ver.
III - Muito bom, na descrição do mundo concentracionário da Albânia comunista e dos seus rituais de transmissão do poder, e sobretudo do medo absoluto e absolutizado, é o romance The Successor de Ismail Kadaré, que pode vir como um título e postfácio à "Literatura do Ditador". Literatura que tem os seus grandes momentos nos livros e autores Latino-Americanos como O Recurso do Método, de Alejo Carpentier ou Eu o Supremo, de Augusto Roa Bastos; e até mesmo na Mascarada de Alberto Moravia, que retrata Mussolini "travesti" em ditador de bananas. Excelente também nesta linha La Fiesta del Chivo, de Vargas Llosa, que, a seguir, publicou duas estopadas sobre Gauguin e Victor Hugo! Compromisso comercial, ao que obrigas!
Para quem leu o magnífico Harlot's Ghost de Norman Mailer, que romanceou parte desta história, a partir de uma biografia ficcionada de James Jesus Angleton na contra-inteligência da CIA, isto não é novidade.
II - Também na mesma edição e a propósito de um itinerário sobre o Fim do Império Romano e do Último Imperador (não o de Bertolucci, mas Romulus Augustulus), Cullen Murphy faz uma evocação de Ravenna hoje, que nos vai levar lá, na primeira ocasião. Além do túmulo de Dante há toda uma outra monumentalidade desta "última capital" do Ocidente a ver.
III - Muito bom, na descrição do mundo concentracionário da Albânia comunista e dos seus rituais de transmissão do poder, e sobretudo do medo absoluto e absolutizado, é o romance The Successor de Ismail Kadaré, que pode vir como um título e postfácio à "Literatura do Ditador". Literatura que tem os seus grandes momentos nos livros e autores Latino-Americanos como O Recurso do Método, de Alejo Carpentier ou Eu o Supremo, de Augusto Roa Bastos; e até mesmo na Mascarada de Alberto Moravia, que retrata Mussolini "travesti" em ditador de bananas. Excelente também nesta linha La Fiesta del Chivo, de Vargas Llosa, que, a seguir, publicou duas estopadas sobre Gauguin e Victor Hugo! Compromisso comercial, ao que obrigas!
O universo da Direita
Uma das características do universo da Direita é haver, várias, muitas direitas. É um espaço livre como o resumiu, esse "italiano útil", como lhe chama o João Bigotte Chorão, que foi Giuseppe Prezzolini. E nós procuramos, neste espaço receber, "todas as direitas, as que existem e as que já esquecemos". Falámos disto, há dez anos, em A Direita e as Direitas.
A Esquerda tinha, à partida, uma vocação unívoca, um modelo evolutivo, uma "marcha da História", que ela sabia de onde vinha e (depois de Marx) para onde ia. Não foi assim, como sabemos, para bem de todos.
Mas na Direita essa diversidade sempre foi reconhecida, até nas dicotomias académicas: direita tradicionalista e direita liberal; direita conservadora e revolucionária; direita religiosa e laica; direita realista e idealista; "Nova Direita" e Direita tout court e as "clássicas" divisões de René Rémond, "legitimista", "orleanista" e "bonapartista". A bibliografia sobre estas matérias é imensa e disponível para quem quiser informar-se e estudar.
Os últimos 150 anos da História europeia, a partir dos modelos "constitucionalismo estabilizado", documentam essa profusão e proliferação das direitas: como elas se entenderam, se combinaram, se aliaram, se guerrearam. Como reagiram ao industrialismo, ao urbanismo, à mudança tecnológica, ao socialismo, à Revolução soviética, ao fascismo, à militarização da política de entre guerras. E como resistiram e se adaptaram, em épocas próximas de pensamento único.
Esta diversidade das "direitas" - supõe um denominador comum - a Direita - que, na medida em que conhece estas modalidades político-operativas e "ideológicas", tem que ser "metapolítico" ou "filosófico". Logo o que nos pareceu ser um denominador comum, presente em todas as "direitas", é o nó do problema. Como na Esquerda.
Tal denominador tem a ver com "fundamentos" como o pessimismo antropológico, quer o augustiniano quer o maquiavélico, que desconfia da natureza humana e lhe põe regras e controles - o Estado, as Leis, as instituições intermédias; o realismo, no sentido da linha hegeliana de que "todo o real é racional"; a consideração dos conjuntos metapolíticos e político-territoriais em que precisamente estão os indivíduos, e que são superiores a eles - a Religião, a Nação, a Família; o reconhecimento das desigualdades úteis (Maurras); a análise dos "custos da mudança". E há o historial das direitas anglo-saxónicas, que é diferente. E há o fascismo e a sua classificação à direita ou à esquerda que também é problemática.
Isto é o abc do problema, e está estabelecido, há muitos anos e tratado em centenas de títulos - editados em línguas cristãs e em latitudes civilizadas. Que haja ignorantes arrogantes que queiram fazer de tudo isto tábua rasa, arrombar alvoraçados portas abertas, chegar a casa alheia e dispor dela, sem legitimidade de ser, ou de saber, é que é surpreendente. Portugal no seu melhor...
A Esquerda tinha, à partida, uma vocação unívoca, um modelo evolutivo, uma "marcha da História", que ela sabia de onde vinha e (depois de Marx) para onde ia. Não foi assim, como sabemos, para bem de todos.
Mas na Direita essa diversidade sempre foi reconhecida, até nas dicotomias académicas: direita tradicionalista e direita liberal; direita conservadora e revolucionária; direita religiosa e laica; direita realista e idealista; "Nova Direita" e Direita tout court e as "clássicas" divisões de René Rémond, "legitimista", "orleanista" e "bonapartista". A bibliografia sobre estas matérias é imensa e disponível para quem quiser informar-se e estudar.
Os últimos 150 anos da História europeia, a partir dos modelos "constitucionalismo estabilizado", documentam essa profusão e proliferação das direitas: como elas se entenderam, se combinaram, se aliaram, se guerrearam. Como reagiram ao industrialismo, ao urbanismo, à mudança tecnológica, ao socialismo, à Revolução soviética, ao fascismo, à militarização da política de entre guerras. E como resistiram e se adaptaram, em épocas próximas de pensamento único.
Esta diversidade das "direitas" - supõe um denominador comum - a Direita - que, na medida em que conhece estas modalidades político-operativas e "ideológicas", tem que ser "metapolítico" ou "filosófico". Logo o que nos pareceu ser um denominador comum, presente em todas as "direitas", é o nó do problema. Como na Esquerda.
Tal denominador tem a ver com "fundamentos" como o pessimismo antropológico, quer o augustiniano quer o maquiavélico, que desconfia da natureza humana e lhe põe regras e controles - o Estado, as Leis, as instituições intermédias; o realismo, no sentido da linha hegeliana de que "todo o real é racional"; a consideração dos conjuntos metapolíticos e político-territoriais em que precisamente estão os indivíduos, e que são superiores a eles - a Religião, a Nação, a Família; o reconhecimento das desigualdades úteis (Maurras); a análise dos "custos da mudança". E há o historial das direitas anglo-saxónicas, que é diferente. E há o fascismo e a sua classificação à direita ou à esquerda que também é problemática.
Isto é o abc do problema, e está estabelecido, há muitos anos e tratado em centenas de títulos - editados em línguas cristãs e em latitudes civilizadas. Que haja ignorantes arrogantes que queiram fazer de tudo isto tábua rasa, arrombar alvoraçados portas abertas, chegar a casa alheia e dispor dela, sem legitimidade de ser, ou de saber, é que é surpreendente. Portugal no seu melhor...
terça-feira, setembro 05, 2006
O Silêncio do Patinador
Voltamos hoje a Juan Manuel de Prada para chamar a atenção para a publicação em português, pela mão da editora Âmbar, do volume de contos "O Silêncio do Patinador".
Embora não se tratando do nosso livro preferido de Juan Manuel de Prada, é concerteza uma obra muitíssimo original, composta por doze contos marcados pelo estilo vigoroso e muito heterodoxo deste jovem autor católico espanhol, de quem esperamos ansiosamente a próxima obra.
Nestes contos encontramos personagens fortíssimas e rocambolescas, por entre boémios da Madrid antiga, escritores frustrados, adolescentes perturbadíssimos e homens que sucumbem às maiores vilanias e crueldades. Relatos violentos e muito marcados pelo erotismo que já conhecíamos de anteriores obras suas.
Trata-se de uma obra já com alguns anos, mas só agora traduzida em português e que vivamente recomendamos aos leitores nacionais, sobretudo pelo estilo único deste autor, caracterizado por um grande virtuosismo, que fez já dele uma das maiores esperanças das letras do país vizinho. Esperamos que a Âmbar se decida também pela tradução do extraordinário "La Vida Invisible".
Embora não se tratando do nosso livro preferido de Juan Manuel de Prada, é concerteza uma obra muitíssimo original, composta por doze contos marcados pelo estilo vigoroso e muito heterodoxo deste jovem autor católico espanhol, de quem esperamos ansiosamente a próxima obra.
Nestes contos encontramos personagens fortíssimas e rocambolescas, por entre boémios da Madrid antiga, escritores frustrados, adolescentes perturbadíssimos e homens que sucumbem às maiores vilanias e crueldades. Relatos violentos e muito marcados pelo erotismo que já conhecíamos de anteriores obras suas.
Trata-se de uma obra já com alguns anos, mas só agora traduzida em português e que vivamente recomendamos aos leitores nacionais, sobretudo pelo estilo único deste autor, caracterizado por um grande virtuosismo, que fez já dele uma das maiores esperanças das letras do país vizinho. Esperamos que a Âmbar se decida também pela tradução do extraordinário "La Vida Invisible".
segunda-feira, setembro 04, 2006
Direitas moles
No País dos ovos moles, da açorda e das papas de milho, era inevitável que houvesse também uma direita mole. Esta última é, contudo, muito indigesta. É-o sobretudo num momento em que, das mais variadas direcções, se vêem chegar novas propostas para o futuro da direita no nosso País. Nunca se falou tanto em direitas novas, em refundação da direita, em repensar a direita ou até em novos partidos e revistas de direita. Julgava-se que a ideia era a de unir uma série de iniciativas dispersas para se fazer algo sério. Afinal, parece que não é bem assim.
No último número da revista "Atlântico", Rui Ramos assina um lamentável artigo intitulado "Sobre direitas moles e duras", onde mais não faz do que, logo à partida, dividir ainda mais o campo ideológico de que se reclama. Fá-lo de uma forma triste, renegando uma série de autores e personalidades que deixaram uma herança de que todos nos deveríamos orgulhar. Pelo menos aqueles que se reclamam da Direita. É de lamentar a displicência e arrogância com que se refere a personagens maiores do nosso País, como António Sardinha.
A Futuro Presente não pensa assim e no nosso nº 62, a sair logo a seguir ao que presentemente se encontra na tipografia, também falaremos bastante sobre o nosso conceito de Direita. Uma direita que não é certamente a do Prof. Freitas do Amaral nem a do Dr. Rui Ramos. Uma direita que não renega o passado, sobretudo os seus maiores vultos, e que tem a humildade e seriedade intelectuais necessárias para ter uma certeza: acima de tudo, está o interesse nacional, e este não se compadece com divisões, mesquinhices e sobrancerias.
No último número da revista "Atlântico", Rui Ramos assina um lamentável artigo intitulado "Sobre direitas moles e duras", onde mais não faz do que, logo à partida, dividir ainda mais o campo ideológico de que se reclama. Fá-lo de uma forma triste, renegando uma série de autores e personalidades que deixaram uma herança de que todos nos deveríamos orgulhar. Pelo menos aqueles que se reclamam da Direita. É de lamentar a displicência e arrogância com que se refere a personagens maiores do nosso País, como António Sardinha.
A Futuro Presente não pensa assim e no nosso nº 62, a sair logo a seguir ao que presentemente se encontra na tipografia, também falaremos bastante sobre o nosso conceito de Direita. Uma direita que não é certamente a do Prof. Freitas do Amaral nem a do Dr. Rui Ramos. Uma direita que não renega o passado, sobretudo os seus maiores vultos, e que tem a humildade e seriedade intelectuais necessárias para ter uma certeza: acima de tudo, está o interesse nacional, e este não se compadece com divisões, mesquinhices e sobrancerias.